São Paulo, sábado, 06 de março de 2004

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A quem iremos?

Amamos a vida e desejamos ser felizes. É o anseio comum da humanidade. Aprendemos a descobrir a beleza da criação divina e as conquistas da inteligência e da bondade humana ao longo dos séculos.
Estamos, no entanto, mergulhados numa realidade em que os aspectos positivos encontram-se misturados com fatores que asfixiam as alegrias da vida e causam angústia e tristeza.
O primeiro motivo da infelicidade é a falta do necessário à sobrevivência, acarretando a fome, a doença e abreviando os anos da vida. A situação torna-se mais dramática pela injustiça na distribuição dos bens da terra.
À miséria alia-se a violência com todas as formas de agressão à pessoa. Pensemos nos assaltos, seqüestros, guerras e atos de terrorismo que lesam a segurança mesmo dos que se acham mais defendidos.
O terceiro fator de padecimentos são as segregações, divisões e a enorme quantidade de vítimas do ódio, da exclusão social e de tantas rupturas no seio da humanidade por razões étnicas, de diversidade de cultura e discordância religiosa.
Considero ainda mais grave a condição de quem não alcança ou perde o sentido da vida e cede ao descontrole da bebida, do prazer desordenado e ao desperdício do tempo e das próprias energias. Há um vazio ontológico pela falta de discernimento dos verdadeiros valores e pela solidão profunda de quem não se abre à presença e ao amor de Deus.
A constatação desses fatores que roubam à pessoa a alegria de viver faz-nos compreender a profissão de fé do apóstolo Pedro diante de Jesus. O Mestre havia multiplicado o pão para 5.000 pessoas e prometido a vida eterna. Jesus oferecia como alimento o próprio corpo, numa alusão clara do evento futuro da última ceia. Alguns não entenderam essas palavras e afastaram-se do Mestre. É nesse contexto que Jesus Cristo pergunta aos apóstolos se também eles querem se separar dele. A resposta de Simão Pedro em nome dos companheiros é belíssima. "Senhor, a quem iremos? Só vós tende palavras de vida eterna" (Jo, 6, 68).
Revivendo essa mesma fé em Cristo, a CNBB lançou neste ano, para todo o Brasil, o novo projeto de evangelização: "Queremos ver Jesus, caminho, verdade e vida". Eis aí a luz para nossa existência. Diante dos impasses e desafios, da injustiça, da violência, da segregação e da perda do sentido da vida, voltamos o olhar para Cristo e repetimos, ainda hoje, a pergunta de Pedro: a quem iremos?
O ensinamento de Jesus dissipa as trevas e dúvidas e anuncia a boa nova, valores, critérios e atitudes que dão pleno sentido à vida. A injustiça será vencida pelo reconhecimento da dignidade da pessoa à luz de Deus, convertendo-nos à convivência fraterna e à partilha. O perdão do Evangelho é a única resposta definitiva contra a violência e inicia um processo de apreço, respeito e diálogo, superando toda exclusão social e aproximando uns dos outros, como irmãos e irmãs, na concórdia e na paz.
A luz de Cristo penetra mais fundo e nos ajuda a abrir o coração e discernir a presença de Deus que nos ama como Pai, perdoa e santifica. Nasce em nós a confiança filial que assegura a esperança da vida plena e feliz. E há de crescer, então, sempre mais forte, a alegria do mandamento do amor de quem aprende a passar a vida como Jesus, fazendo o bem. "A quem iremos? Senhor, só Vós tendes palavras de vida eterna."


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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