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SIM
A hora e a vez do Congresso Nacional
CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA
Em 1946 , na Presidência de Eurico
Gaspar Dutra, foram fechados os
cassinos no Brasil, famosos centros de
jogo que atraíam turistas do exterior e
do país. Nenhuma comoção social nem
grandes abalos políticos ou econômicos, e a medida permanece respeitada
há mais de 50 anos. Resultou de um decidido ato político, aprovado pela sociedade da época, imbuída de fortes valores éticos e morais.
A Medida Provisória do presidente
Lula, proibindo os bingos e as máquinas
de jogos, por um lado provocou os mesmos aplausos, mas também manifestações de repúdio dos empresários e desempregados. As motivações do ato
presidencial foram facilmente assimiladas: econômicas, porque as empresas
estariam sonegando os devidos tributos; sociais, por não repassarem às entidades esportivas assistidas os 7% dos
lucros que lhes eram devidos; mas sobretudo políticas, porque serviriam à lavagem de dinheiro ilícito -principalmente porque as denúncias atingiam as
ante-salas presidenciais.
Ora, o jogo em geral, como o fumo, as
bebidas e outras paixões, só é permitido
e subsiste incólume quando paga impostos. Os bons malandros procuram
ser honestos. Aproveitam a zona cinzenta da lei e não são banidos. Exploram a ignorância e a ambição populares, como a dos compradores de certos
carnês, que são também um jogo, que,
porém, paga impostos e, por isso, nada
acontece, está na zona limítrofe entre a
moral e o direito -como se pudessem
ser separados.
Por que, então, o bingo foi condenado? Não por ser jogo de azar, pois foi a
sociedade brasileira que o desenvolveu,
como brincadeira nas reuniões de família, nos encontros beneficentes, nos clubes associativos, até se tornar uma cultura nacional. E esse lazer ou obra de caridade não merece punição, mas sim a
exploração comercial e o mau uso que
dele se fez. A suspensão foi pela sua utilização como instrumento de desonestidade e de corrupção.
Como todo jogo, o bingo é reconhecidamente um mal social, pelos prejuízos
morais, econômicos e familiares que
acarreta. Corrida de cavalos também é
ruim, cria vícios, faz perder fortunas,
mas contribui para o fisco. O jogo, como a bebida, o fumo e a droga, não se
combate frontalmente, com discursos
moralistas. Vícios, de quaisquer espécies, não devem ser estimulados, sobretudo pelos meios de comunicação, mas
há que salvar e proteger os usuários que
a eles sucumbem por causa da fraqueza
moral de algumas pessoas.
Em muitos países o jogo existe, mas
com níveis aceitáveis de organização e
idoneidade que se refletem em trabalhadores treinados e organizados e no
pagamento de altos tributos, além da
restrição ao incitamento publicitário.
A MP, como ato legislativo, foi tosca,
inopinada, contundente e incompreensível, diante dos prejuízos pelo desemprego multitudinário que provocou.
Atingiu, porém, objetivos precisos, bastantes para estancar as maquinações
mafiosas denunciadas por um vídeo nas
televisões do país. Agora é o Congresso
que deve decidir e aperfeiçoar a nova legislação, os representantes da sociedade, os intérpretes dos anseios sociais,
não o presidente da República, pois não
representa a opinião nacional.
São os congressistas que devem fazer
as avaliações e, se opinarem pela reabertura dos bingos, devem estabelecer regras para que tenham uma inequívoca e
efetiva função social, exeqüível em termos de funcionamento, fiscalização e
tributação, e para que o jogo não se
transforme em oportunidade para investidas aventureiras e lesivas -e menos ainda para a expansão de uma cultura que infelicita o Brasil desde a invenção da loteria dos animais pelo barão de
Drummond, em 1892.
O jogo, como vinha sendo exercido,
gerou corrupção, lavagem de dinheiro,
tráfico de influências políticas; doravante deverá ser submetido a severo controle administrativo, fiscal e tributário,
com regras rigorosas, para que não se
converta em matriz de todas as corrupções. O espírito que inspirou a MP podia estar politicamente incorreto, mas
seus efeitos produziram um bem inesperado, ainda não avaliado em toda a
sua profundidade: abrir o poder à consciência de um problema ético, social e
econômico, e a valiosa oportunidade
para os representantes do povo definirem e regulamentarem uma atividade
cinzenta, muito bem encastelada entre
o bem e o mal.
A sociedade, no entanto, a opinião
pública brasileira, em todos seus segmentos, nesta quadra de definição de
princípios éticos e morais, deve assumir
um protagonismo que se identifique
com suas raízes históricas, de tradição
fortemente cristã, para que o Brasil se
reafirme como o país do trabalho e do
estudo, e não o país da batota, do lucro
fácil, da sonegação fiscal e da corrupção.
Carlos Aurélio Mota de Souza, 71, advogado,
membro do Tribunal de Ética da OAB-SP, é professor livre-docente na Unesp e na Univem.
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