São Paulo, sexta-feira, 06 de março de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mais democracia, mais cidadania

HENRIQUE FONTANA


Já é hora de haver o debate sobre uma reforma que avance em direção a uma sólida base regulatória da organização política


DESDE a redemocratização do Brasil -a volta das eleições livres, do pluripartidarismo, da liberdade de imprensa, da nova Constituição de 1988 e de uma série de outros avanços-, os brasileiros têm aprimorado cada vez mais o voto e a participação política. Com a liberdade democrática e o direito a reunião e a organização garantidos, acompanhamos o crescimento das representações político-partidárias, dos movimentos sociais e sindicais e das organizações não-governamentais.
Nestes mais de 20 anos da nova democracia, o povo brasileiro exerceu sua cidadania com maturidade política e consciência democrática. Elegemos presidentes, governadores, prefeitos, senadores, deputados e vereadores. Participamos de pelo menos um plebiscito e um referendo. Vivemos experiências de democracia direta e participação popular, como o Orçamento participativo em Porto Alegre e em diversas cidades brasileiras.
Mas não foram anos fáceis. O país viveu graves crises políticas, com denúncias, investigações, afastamentos, punições, CPIs. As instituições democráticas resistiram. Sólidas, amadureceram com o apoio de uma sociedade que sabe o valor da democracia. O exercício da cidadania e da democracia, porém, deve ser um processo permanente de aprendizado.
Entretanto, a Constituição em curso manteve, com poucas mudanças, o atual modelo eleitoral brasileiro, que data de 1946. Suas principais características são o sistema proporcional, o voto em lista aberta e o financiamento privado de campanha. Nossa democracia sofre de um esgotamento em alguns dos seus fundamentos, o que gera graves distorções.
Em especial, na legislação eleitoral -e justamente nos aspectos em que deveria ser mais forte: a legitimidade dos eleitos, a coerência político-programática, a qualidade dos mandatos, o fortalecimento dos partidos, o controle público do processo eleitoral e os mecanismos de democracia direta e participação popular.
O abuso do poder econômico, o assistencialismo, o personalismo, o enfraquecimento dos partidos, o financiamento privado de campanhas na busca de relações privilegiadas com o poder público e o troca-troca de partido são algumas das maiores distorções que se verificam, com efeito direto sobre a qualidade da representação política, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo.
Não é mais possível adiar esse debate. A fidelidade partidária, o financiamento público de campanha, o voto em lista fechada, a não-coligação nas candidaturas proporcionais e a ampliação de instrumentos de democracia direta são alguns dos temas da agenda de 2009 -dos novos mandatos e da sociedade. Já é tempo de refletir sobre esses aspectos, por meio do necessário debate em torno de uma reforma política profunda, que avance em direção a uma sólida base regulatória da organização política e que garanta um salto qualitativo para o cenário político brasileiro.
Para contribuir com essa discussão, o governo Lula enviou à Câmara dos Deputados, em fevereiro, seis projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição que preveem mudanças para o processo eleitoral. As propostas são resultado de consulta pública realizada via internet e de seminários sobre o tema, promovidos durante todo o ano de 2008.
Além do financiamento público exclusivo de campanha -ou seja, fica proibido o financiamento privado, mesmo que seja com recursos do próprio candidato-, os textos defendem ainda a fidelidade partidária -que impede o troca-troca de partido- e a lista fechada para as candidaturas proporcionais (em relação a deputados e a vereadores), sem coligações, evitando alianças apenas para ampliar o tempo de propaganda ou que partidos com pouca representação eleitoral elejam parlamentares na "carona" dos partidos mais votados.
Esse conjunto de propostas para a reforma política inclui ainda a cláusula de desempenho, pela qual os partidos que não obtiverem 1% dos votos válidos na eleição para a Câmara dos Deputados não garantem uma cadeira no Legislativo, excetuadas as eleições para vereadores. É fundamental, nesse contexto, que ocorra um amplo debate com a sociedade, com a participação de univer- sidades, representações partidárias, imprensa, governos, Congresso, organizações comunitárias e sociais.
A aprovação urgente de uma reforma política e cidadã será capaz de estabelecer um novo marco para a democracia no Brasil. Queremos consolidar no país um modelo político que estimule e facilite o controle público, pelo qual cada cidadão seja protagonista das decisões e das mudanças de que o país precisa. Mais democracia, mais cidadania.

HENRIQUE FONTANA, 49, médico, é deputado federal (PT-RS) e líder do governo na Câmara dos Deputados. Foi secretário de Saúde de Porto Alegre (1997-2000).

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