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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Cooperar é ganhar

JAVIER SOLANA


Esta crise não vai causar o fim das Nações Unidas nem da política exterior e de segurança comum da União Européia

Quando, 12 anos atrás, iniciávamos o diálogo político institucionalizado entre a Europa e o Grupo do Rio, isso era feito num contexto marcado pela esperança depositada num século 21 em que imperariam a paz, a democracia e os direitos humanos, e em que seria possível um desenvolvimento econômico sustentado no planeta.
Contudo o início do novo século parece não estar correspondendo a essas expectativas. A paz e a segurança estão ameaçadas por crises regionais, por um novo tipo de terrorismo que supera as barreiras imaginadas até hoje, bem como pela proliferação de armas de destruição em massa. O crescimento econômico tornou-se mais lento. A prosperidade da década anterior também não foi traduzida numa redução geral da pobreza e das desigualdades.
Neste momento, o mundo vive uma crise muito grave no Iraque, a qual tem provocado profundas divisões na comunidade das nações e na União Européia, e em cuja evolução faltaram, no meu julgamento, dois importantes elementos de coesão internacional: uma percepção comum da ameaça e um consenso sobre a estratégia e os métodos para enfrentá-la.
O 11 de setembro de 2001 fez com que os EUA tomassem consciência das ameaças que pairavam sobre eles e desde então apressaram-se em buscar respostas. O conceito de "homeland security" e a elaboração de uma estratégia de segurança nacional com forte projeção internacional foram o primeiro resultado dessa conscientização. Não obstante faltou uma reflexão conjunta que permitisse atingir uma percepção mais bem compartilhada da ameaça e um maior consenso sobre a estratégia de segurança internacional a ser seguida, e nessa falta todos devemos admitir uma parte de responsabilidade.
Esta crise não vai causar o fim das Nações Unidas, nem da relação transatlântica, nem da política exterior e de segurança comum da União Européia, mas demonstra a necessidade de um debate profundo sobre percepções, valores, métodos e capacidades.
O processo de globalização deu lugar a um conceito de segurança multidimensional. As novas ameaças -incluindo o terrorismo- exigem respostas que não podem ser exclusivamente militares. A luta contra esses desafios tem de estar baseada no intercâmbio de informação, na melhoria das capacidades de inteligência, na cooperação contra a lavagem de dinheiro, as atividades econômicas ilícitas que financiam os conflitos e o tráfico e a proliferação de armas. Para isso, é preciso definir adequadamente as missões dos Exércitos, da polícia e dos serviços de inteligência civil, distribuir os recursos adequadamente; é preciso que as autoridades civis garantam a coordenação e a direção estratégica dos setores de segurança .
Nos últimos anos, os países da América Latina realizaram importantes esforços para reformar, profissionalizar e adaptar suas Forças Armadas, suas forças policiais e seus serviços de inteligência aos sistemas políticos democráticos. Mas não basta combater os sintomas, é preciso atacar as raízes da violência e a insegurança. Nesse sentido, a defesa dos valores democráticos, a redução da pobreza e das desigualdades e o incentivo à coesão social são essenciais para prevenir os conflitos e reforçar a segurança.
Os países desenvolvidos devem contribuir mais decididamente para a solução dos problemas financeiros dos países em desenvolvimento e abrir os mercados para seus produtos. O compromisso da União Européia com o crescimento econômico da América Latina é firme, como é demostrado pelo papel central que estamos desempenhando nas negociações multilaterais da OMC, ou o processo de associação com os países e regiões da América Latina. Contudo essa contribuição deve complementar as políticas internas de redistribuição de renda destinadas a assegurar a sustentabilidade econômica e a consolidação dos processos democráticos.
Agora, torna-se também necessário alicerçar a via multilateral. A unipolaridade não beneficia ninguém, nem mesmo os EUA. O desentendimento ocorrido recentemente no Conselho de Segurança é um fato que não podemos ignorar, mas que não deve marcar uma pauta para o futuro. A própria experiência da União Européia demonstra que ocasionalmente surgem desentendimentos, embora isso seja preferível à ausência de normas, à lei do mais forte.
Uma questão-chave, e que devemos apresentar de imediato, no âmbito multilateral, é como enfrentar o perigo da proliferação de armamentos, especialmente os de destruição em massa.
Ameaças como o narcotráfico, o crime organizado, o terrorismo ou o comércio ilegal de armas têm adquirido uma crescente mobilidade geográfica. Para reverter esse processo, torna-se fundamental o desenvolvimento de estratégias de segurança regionais.
Nos últimos anos do processo de construção européia, estamos trabalhando para o estabelecimento de um espaço europeu de liberdade, justiça e segurança. Mesmo assim, temos posto em andamento políticas de prevenção de conflitos e estamos desenvolvendo capacidades próprias de gestão de crises no exterior. Na América Latina também estão sendo criadas iniciativas importantes em matéria de segurança regional. A União Européia está aberta ao intercâmbio de idéias e experiências com a América Latina num âmbito que, como o da segurança, entendida em toda a sua amplitude atual, oferece numerosas possibilidades. O mundo será mais estável se conseguirmos juntos, Europa e América Latina, intensificar nossa cooperação bilateral e inter-regional.


Javier Solana, 60, é representante de Política Exterior e de Segurança Comum da União Européia. Foi chanceler da Espanha (1992-95) e secretário-geral da Otan (1995-99).


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