São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um Congresso em frangalhos

MARCO ANTONIO VILLA

O Congresso Nacional, a cada ano que passa, consegue chocar ainda mais a nação.
Quando da votação da reforma da Previdência, João Paulo Cunha solicitou que a polícia entrasse no prédio da Casa para retirar manifestantes, caso único na história do Parlamento. Nem durante a ditadura militar um presidente ousou adotar tal medida. Depois, tivemos a eleição do deputado Severino Cavalcanti e todas as estripulias cometidas pelo representante de Pernambuco.


O número de projetos aprovados é muito baixo. As funções constitucionais são ignoradas. As comissões são inoperantes


Mas nada se igualou ao mensalão, aos mensaleiros, às renúncias de vários acusados e aos julgamentos dos parlamentares acusados de quebra de decoro. O festival de imoralidades e de ausência de espírito republicano chegou ao máximo. Recebedores do valerioduto foram inocentados e saudados com gritos de alegria, salvas de palmas ou passos de dança, como o triste balé da deputada Angela Guadagnin. Tudo acobertado pelo voto secreto, como se os deputados não fossem representantes do povo, mas deles próprios.
O Congresso Nacional é formado por 513 deputados e 81 senadores. Portanto, são 594 parlamentares. No Orçamento deste ano -que, por incrível que pareça, não foi aprovado até hoje, apesar da convocação extraordinária-, foram reservados para a Câmara R$ 3 bilhões, e, para o Senado, quase R$ 2,4 bilhões, perfazendo um total de R$ 5,4 bilhões, valor superior ao de oito ministérios somados, entre eles o do Desenvolvimento Agrário e o do Meio Ambiente.
A Câmara tem uma espécie de programa Fome Zero bem ao estilo brasiliense: só de auxílio-alimentação, vai gastar R$ 107 milhões, além de R$ 10 milhões para assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores e mais de R$ 600 milhões pagando aposentadorias e pensões. Em construções, reparos e conservação de residências funcionais, estão orçados mais de R$ 70 milhões.
Mas o Senado não quer ficar atrás. Afinal, nos últimos três anos, saltou de 7.000 para 12 mil funcionários. Só em aposentadoria e pensões, vai gastar R$ 613 milhões. Para serviços médicos, odontológicos e a instalação de um posto avançado do Incor em Brasília, estão reservados R$ 50 milhões. Ah, que bom seria se os senadores tivessem a mesma preocupação com a saúde dos milhões de brasileiros que usam o SUS...
Como disse Darcy Ribeiro, "é melhor que o céu, pois não precisa morrer para ir para lá. O Senado é um grande clube de convivência deferente e cordial".
Proporcionalmente, o Senado é muito mais caro para o contribuinte que a Câmara. Em publicações, vão gastar, neste ano, mais de R$ 46 milhões. Já as despesas do Prodasen, que ficou notabilizado pelo grande número de funcionários, devem ultrapassar R$ 72 milhões.
É o clube mais fechado do Brasil e freqüentado por muitos senadores absolutamente desconhecidos dos eleitores dos Estados que supostamente representam. São os suplentes, muitas vezes filhos, irmãos, pais, cunhados ou esposas, além dos financiadores de campanha que apóiam a eleição em troca da licença ou renúncia do titular.
A atuação do presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, serve como um bom exemplo de inoperância legislativa. Seus projetos vão desde a proibição da utilização de catracas eletrônicas nos veículos de transporte coletivo até a proposta de criar um grupo parlamentar Brasil-Vietnã (onde não há Parlamento eleito democraticamente), passando pela restrição ao uso de palavras em língua estrangeira -sem esquecer da criação do Dia do Saci e da obrigatoriedade da mistura de farinha de mandioca à farinha de trigo.
Os grandes temas nacionais são ignorados pelo Congresso. As duas Casas transformaram a atividade legislativa em mero chancelamento dos atos do Executivo. O número de projetos aprovados é muito baixo. As comissões são inoperantes. As funções constitucionais são ignoradas -vide o descaso com que é tratado o Orçamento.
A aprovação de um ministro para o STF é tratada como se estivesse sendo discutido um projeto para a instalação de uma lombada em Brasília. Nada é levado a sério. Basta recordar a recente sessão que aprovou a ministra Ellen Gracie para presidir o Conselho Nacional de Justiça.
O senador Wellington Salgado, proprietário da controvertida Universidade Universo e financiador da campanha de Hélio Costa, de quem é suplente, destacou que seu voto "leva em conta a beleza e o charme". E disse: "Assim, voto com muito prazer". Magno Malta lamentou não ser advogado: culpa do vestibular, prestou três e não passou em nenhum. Já Mozarildo Cavalcanti ressaltou que conhece as mulheres pela convivência que teve com sua mãe e por ser médico: "Como ginecologista, aprendi a lidar de perto com as mulheres, a entender muito profundamente a sensibilidade feminina". Sobre o CNJ, as funções da ministra ou suas opiniões, nenhuma palavra.
Evidentemente, o Congresso Nacional é essencial ao processo democrático. Porém, sem uma profunda reforma política e dos procedimentos no interior das duas Casas, a instituição continuará notabilizada pelos escândalos, pelo trabalho de fancaria e continuará prestando um desserviço à democracia.

Marco Antonio Villa, 50, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Vida e Morte no Sertão. História das Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX" (Ática).


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