São Paulo, Terça-feira, 06 de Abril de 1999
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O Fundef e os ganhos na educação


O fundo é criticado por alguns governadores, que alegam 'perda' de receita para municípios. A crítica é imprópria


PAULO RENATO SOUZA

O Fundef (Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) completou um ano, com resultados extremamente positivos. Verificamos isso em levantamento do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) e da Fipe/USP (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Dos questionários enviados aos prefeitos, 2.240 foram respondidos, atestando o êxito do fundo. Um dos seus ganhos foi o crescimento extraordinário da matrícula no ensino fundamental: hoje, só 4% das crianças de 7 a 14 anos estão fora da escola. Eram 11% há apenas quatro anos.
Graças ao Fundef, os salários dos professores tiveram um aumento médio de 12,9%. No Nordeste, cuja rede é quase toda municipal e onde estão os municípios mais pobres do país, a alta foi de 49,6%. A cidade de Girau do Ponciano (AL) sintetiza esse impacto: os salários lá subiram, em média, 270%.
O fundo nos permitiu ir mais longe, porém. Com ele, surgiram planos de carreira em 42,5% dos municípios. Hoje, 72,5% deles cumprem essa exigência legal. Investimentos e escolarização aumentaram muito. A municipalização da oferta de vagas disparou -tanto que, em 98, a expansão da matrícula ocorreu somente na rede municipal, que recebeu 2,7 milhões de novos alunos. Mais: 58% dos municípios estão capacitando professores leigos (81% no Nordeste), obedecendo à Lei de Diretrizes e Bases, segundo a qual só professores com formação média ou superior poderão dar aulas a partir de 2006.
Para chegar a esses resultados, recorremos a uma equação simples (expressão, aliás, do que podemos fazer em termos de reforma fiscal). Redistribuímos os 25% das receitas vinculadas à educação de Estados e municípios, definindo que 15% deveriam ser aplicados no ensino fundamental (60% desse percentual em salários dos docentes e 40% em investimentos e manutenção). Em 1998, isso se traduziu num movimento de R$ 13,3 bilhões (R$ 8,6 bilhões dos Estados, R$ 4,2 bilhões de municípios e R$ 524 milhões de complementação do governo federal), o que resultou na média anual de R$ 565 por aluno matriculado na rede pública.
O Fundef, formado com dinheiro do ICMS e dos fundos de participação de Estados e municípios, tem êxito por amarrar a distribuição dos recursos a um critério absolutamente justo: o número de alunos. Nos Estados onde as redes municipais têm mais estudantes, as escolas têm direito a fatias da receita maiores que as da rede estadual. E vice-versa. O critério é criticado por alguns governadores, que alegam "perda" de receita para municípios. A crítica é imprópria. Primeiro, não podemos pensar em crianças e adolescentes "municipais, estaduais ou federais". Depois, o Fundef é distribuído de modo equânime e sem sair do Estado.
Com o fundo, corrigimos uma distorção assombrosa. No passado, municípios muito ricos possuíam uma brutal arrecadação e não tinham alunos. Os 25% constitucionais da receita dos municípios não iam para a escola, para o salário do professor. Eram gastos em tudo, até naquilo que não é educação. Fazia-se vista grossa porque sobrava dinheiro. O ônus, inevitável antes do Fundef, ficava com os municípios mais pobres. No Nordeste, por exemplo, onde 68% da matrícula é municipal, os prefeitos tinham de pagar salários de R$ 15, não porque fossem contra a educação, mas porque não havia receita.
A discrepância mais gritante estava em Alagoas: a rede estadual gastava R$ 830 por aluno/ano, enquanto a municipal dispunha de R$ 151. O gasto por aluno/ano, em certos locais, era inferior a R$ 100. Isso acabou: a distribuição é feita, agora, pelo número de alunos. Suponhamos, porém, que a arrecadação dos municípios de um Estado seja baixa. Com o Fundef, quando os recursos não chegarem ao mínimo de R$ 315 por aluno/ano, a União fará a complementação até esse valor.
Esse montante mínimo anual "per capita" cresceu muito nas redes municipais, que tiveram um acréscimo bruto de recursos de R$ 2 bilhões e chegam a gastar, por aluno/ano, até o dobro do mínimo definido. Cinco redes estaduais cujo mínimo era superior a R$ 315 passaram a contar também com mais recursos. Ao todo, 2.703 municípios, que atendem 10,9 milhões de estudantes, tiveram elevação da receita.
A sociedade deve ter claro que, com o Fundef, o ganho foi geral. Ele prova que é possível produzir, com idéias simples, coisas extremamente importantes para a educação. Promove justiça social, pois beneficia os 32,8 milhões de alunos do ensino fundamental; equidade, pois procura garantir qualidade para todos, não só para alguns; descentralização, já que o dinheiro vai para onde está o aluno; e educação de qualidade, com a melhoria das condições de ensino e o aumento do salário dos professores. O Fundef é hoje um patrimônio social do país. Por trás de cada cifra há milhões de crianças e jovens com chances reais de trilhar um futuro cada vez mais promissor.
Paulo Renato Souza, 53, economista, é ministro da Educação e do Desporto. Foi reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) de 1986 a 90 e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).


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