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ANTONIO DELFIM NETTO
Virtudes x defeitos
UM DOS ASPECTOS mais intrigantes do momento que
estamos vivendo é a facilidade com que alguns intelectuais
concluíram que a crise que se abateu sobre o sistema financeiro
americano e infeccionou o resto do
mundo é o ponto terminal do "capitalismo" e de seu acompanhante,
o "liberalismo".
Esta crise não seria apenas mais
um dos movimentos cíclicos conhecidos, como no passado. Seria
uma interrupção definitiva do mecanismo de seleção histórica quase
natural pelo qual eles evoluíram.
Esse diagnóstico é muito simplista
e sujeito a séria controvérsia.
Obviamente, "capitalismo" não é
uma coisa. É um processo. O mesmo nome foi designando realidades históricas muito diversas. Sua
instituição básica é a propriedade
privada e a alocação de bens e serviços através de "mercados". Isso
exige a existência de um Estado capaz de garanti-los e a consequente
execução dos contratos. Nele há
uma clara distinção entre os proprietários dos bens de capital, que
se apropriam do excedente produzido pelos não proprietários. Estes
alugam a sua força de trabalho em
troca de salário.
Trata-se de uma formação histórica, cuja origem se perde no tempo, mas que, a partir de meados do
século 18, gerou um enorme aumento da produtividade do trabalho. Mudanças nas instituições da
propriedade e a garantia da apropriação privada dos benefícios gerados pelas inovações revolucionaram o processo produtivo.
Por um lado, ela apresenta dois
problemas complicados: uma ínsita tendência 1º) à flutuação da produção e do emprego e 2º) ao aumento da desigualdade na distribuição do produzido. Por outro, ela
tem três virtudes: 1º) é compatível
com a liberdade individual; 2º) é
amplamente adaptativa; 3º) sendo
resultado de um processo histórico, ela não é nem natural nem eterna.
A sua evolução em termos de eficiência produtiva compatível com
a liberdade individual é visível.
Quanto à flutuação da produção e
do emprego, ela parece estar diminuindo fortemente. Nos EUA, de
1953 a 1982, tivemos sete ciclos
com período médio de quatro anos.
De 1983 a 2007, o período médio
foi de 12 anos. Quanto à redução da
desigualdade, bons projetos tributários têm corrigido de forma significativa o chamado índice de Gini.
Isso sugere os efeitos positivos
da ação consciente e indispensável
do Estado-indutor para o bom funcionamento dos mercados.
A crise de 2008 mostra, na verdade, uma falha do Estado-regulador, corrompido pela ideologia do
"mercado perfeito". Não fala a favor da ressuscitação do Estado-produtor como tem sido sugerido
por alguns afoitos...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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