São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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CRISE DE CONFIANÇA

Os mercados de capitais assumiram preponderância na economia americana nas últimas duas décadas. Esse sistema esteve ancorado na transparência das informações -com as corporações divulgando balanços trimestrais, avalizados por auditores independentes.
Por um lado, esse sistema mostrou-se extremamente ágil para financiar novos empreendimentos, com inovações técnicas. Por outro lado, introduziu uma lógica de curto prazo na relação das empresas com o mercado financeiro. As corporações ficaram submetidas a uma avaliação minuciosa e permanente dos agentes financeiros.
Se as empresas não revelam projeções lucrativas, os investidores vendem as ações e suas cotações desabam. As corporações desvalorizadas ficam expostas a processos hostis de tomada de controle acionário. Essa necessidade de agregar valor, a qualquer preço, vai mostrando sua face perversa no momento da reversão do ciclo de investimento dos anos 90. Como afirmou, em tom crítico, o economista Paul Krugman em artigo publicado ontem nesta Folha, "agora, vale tudo": contabilidade agressiva; transações fictícias que "aumentam" as vendas; pacotes de remuneração de executivos com elevadas recompensas se os preços das ações subirem; conflitos de interesses entre os analistas financeiros e as empresas nas quais os bancos de investimento desenvolvem negócios etc.
A revelação desses conflitos vai minando as regras de funcionamento do sistema e generalizando uma crise de confiança. Após o colapso da gigante de energia Enron, a lista de empresas sob investigação por práticas contábeis heterodoxas continua se expandindo.
Enfim, ampliam-se as suspeitas quanto à transparência das empresas americanas e as razões para transacionar suas ações. Isso já se reflete na cotação do dólar e nos fluxos de recursos para os fundos de investimento. A retração dos investidores estrangeiros e a saída de capitais americanos pode dificultar o financiamento do enorme déficit comercial dos EUA. Se essa tendência se aprofundar, pode surgir no horizonte o risco de o Fed (banco central americano) ter de elevar a taxa de juros básica -a exemplo do que ocorreu no início da década de 80-, o que comprometeria a tímida recuperação da economia mundial.



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