São Paulo, terça-feira, 06 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FABIANO MAISONNAVE

Alan García, segundo ato

NA RECÉM-TERMINADA campanha que reconduziu Alan García à Presidência, a maioria dos peruanos se viu obrigada a optar entre dois candidatos que não haviam sido sua primeira escolha. O temor de outro governo apocalíptico do Apra foi menor do que o de um militar inexperiente inspirado no chavismo. Com o triunfo do "mal menor", cabe agora especular sobre o quanto de déjà-vu haverá no governo que começa em julho. Sobretudo o contexto histórico e o estilo de liderança. No primeiro caso, García recebe um Peru melhor do que assumiu, em 1985, e bastante melhor do que entregou cinco anos depois, em meio ao caos econômico e ao terror senderista. Finda a violência política e com uma invejável taxa de crescimento anual média de 5%, o desafio é acelerar a redução da pobreza, que aflige mais de 50% da população. Nisso, o Peru de Toledo não difere da Venezuela bolivariana de Chávez, do México do livre comércio de Fox ou do Brasil neoconservador de Lula: a desigualdade social e racial cai em conta-gotas, como bem ilustra Clóvis Rossi, o desemprego assombra e a criminalidade explode. Dadas a história do Apra e as frágeis instituições locais, García dificilmente fará melhor. García recebe um Peru mais forte, mas volta mais fraco. No primeiro turno, teve 24% dos votos, enquanto a rejeição raspava 40%. Muito diferente de 1985, quando, aos 35 anos, somou 47% dos votos, contra 22% de Alfonso Barrantes, que desistiu da segunda volta. No front externo, o inimigo mudou radicalmente: antes, sufocado pela dívida externa, fez do FMI seu alvo preferencial e se desgastou com Washington. Agora, García tende a apoiar um tratado comercial com os EUA, briga com Chávez e afaga Lula -nos três casos, coincide com Toledo, talvez o líder vizinho mais afinado com Brasília. Quanto ao estilo, resta saber se García repetirá o acento personalista e imprevisível que gerou medidas traumáticas, como a rocambolesca tentativa de nacionalizar o sistema bancário. García disse que já não crê em "bala mágica" e comparou a nacionalização na Bolívia a "matar a gansa dos ovos de ouro". Mas o centralismo continua. Líder de um partido comparado a uma seita religiosa, foi quase o único porta-voz da campanha. A história sul-americana ensina que a volta de ex-presidentes ao poder não tem sido bem-sucedida. O próprio García substituiu um deles, Fernando Belaunde. Caso fracasse, Ollanta Humala estará à espreita -na eleição de 2011 ou mesmo antes.


FABIANO MAISONNAVE é repórter de Mundo. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de ROBERTO MANGABEIRA UNGER , que escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A Copa e o Édipo Rei
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.