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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Em defesa da saúde

HUMBERTO COSTA


A redução dos investimentos na saúde nos Estados e municípios não será recebida de forma passiva

O Sistema Único de Saúde está completando 15 anos. Apesar dos problemas de acesso e mesmo da qualidade de alguns serviços oferecidos à população, são inegáveis os avanços que ele representou e continua representando para a saúde pública do país. Um modelo que se afirma pelos princípios da universalidade, equidade e integralidade. É, pois, dever do Estado, segundo a Constituição Federal, garantir a saúde de todo brasileiro, tratando de forma desigual os desiguais e respeitando a integralidade de suas demandas. Antes do SUS, faltava ao cidadão um mecanismo legal que lhe garantisse e reconhecesse esses direitos.
É importante que se diga que o SUS, e mesmo os seus nobres princípios básicos, não são fruto de um consenso, mas de um longo caminho de batalhas enfrentadas por todos aqueles que, ao longo das duas últimas décadas, colocaram as questões de saúde pública acima das motivações políticas, ideológicas, partidárias e corporativas.
Há muito o que avançar com o Sistema Único de Saúde -e este é um compromisso do governo Lula-, mas suas excelências devem ser reconhecidas. O modelo descentralizado de gestão e financiamento é uma dessas excelências, que têm por base a co-responsabilidade dos três entes federativos: a União, os Estados e os municípios.
A mais recente e expressiva vitória do SUS se deu com a aprovação da emenda 29, no ano de 2000, pelo Congresso Nacional. A emenda vincula as receitas da União e de Estados e municípios a gastos na área de saúde. Sua aprovação foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade civil, de parlamentares e gestores da saúde em todo o Brasil.
No recente encontro que tiveram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parte dos 27 governadores pediu a desvinculação de 20% das receitas dos Estados. A proposta preocupa o Ministério da Saúde, porque pode vir a ter uma repercussão negativa nos gastos dos Estados no setor da saúde pública, bem como no da educação -duas áreas que influenciam diretamente a qualidade de vida dos brasileiros.
Considero legítima a preocupação dos governadores com o ajuste de caixa, mas acho importante que se busquem mecanismos que não comprometam o avanço conquistado em 2000. Ainda mais agora que, pela primeira vez, o governo federal está fazendo um enorme esforço para cumprir a emenda 29 no que concerne às suas responsabilidades.
É demais contraditório o fato de, ao mesmo tempo em que a União garante mais recursos para a saúde, os Estados exigirem a redução da aplicação de recursos no setor. Há ainda o agravante de que tal proposta pode abrir o precedente para que os municípios também reivindiquem a desvinculação. Caso seja aprovada pelo Congresso Nacional, a proposta pode significar uma redução, com base nos dados de execução deste ano, de R$ 5 bilhões para a saúde. O gasto dos Estados poderia ser até R$ 3 bilhões menor, e o dos municípios, R$ 2 bilhões.
A redução dos investimentos na saúde nos Estados e municípios não será recebida de forma passiva pela sociedade civil. As pressões que exercerão sobre esses entes federativos serão repassadas por eles ao governo federal, e os princípios fundamentais da descentralização e da co-responsabilidade, em última instância, poderão ficar comprometidos. O que seria um retrocesso nos avanços significativos conquistados nos 15 anos de existência do SUS.
A história do SUS e o compromisso do governo Lula caminham para o outro lado. O do fortalecimento da descentralização e da responsabilidade partilhada na busca permanente pela melhoria do acesso e da qualidade do atendimento prestado à população. É nesse espírito que o governo federal vem trabalhando para organizar o sistema, estimulando a gestão plena de Estados e municípios na área da saúde. Hoje, 586 dos 5.561 municípios brasileiros estão habilitados na gestão plena do sistema, recebendo diretamente do ministério recursos para executar ações básicas e de média e alta complexidade. São 4.952 os municípios em gestão plena da atenção básica. Dos 26 Estados, e mais o Distrito Federal, 16 têm a gestão plena da saúde estadual.
Sei do compromisso social dos governadores e estou confiante em que a discussão sobre a desvinculação não vá se dar, no âmbito do Congresso, em termos que comprometam os investimentos nas áreas sociais. O SUS tem de seguir o seu caminho de consolidação e avanços.


Humberto Costa, 45, médico psiquiatra, é ministro da Saúde. Foi deputado deputado federal pelo PT-PE (1995-1998) e secretário de Saúde de Recife (gestão João Paulo).


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