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MARCOS NOBRE
O esportista é um fingidor
O ator de cinema não representa para um público, mas
diante de um aparelho. Desempenhar bem significa passar por um teste extremamente exigente. No fundo, o que
está em jogo é conseguir manter a dignidade humana diante de uma máquina.
Essa é uma das muitas sacadas do pensador Walter Benjamin, morto em 1940. Que
acrescentou: "O interesse nesse desempenho é imenso. Porque é diante de um aparelho
que a esmagadora maioria dos
citadinos precisa alienar sua
humanidade, nos balcões e
nas fábricas, durante o dia de
trabalho".
O cinema é a vingança noturna contra o dia de trabalho,
em que máquinas dominam
quem as opera.
Difícil saber se a compensação do filme leva à transformação do mundo ou ao conformismo. Ou, o que parece
mais plausível, às duas coisas
ao mesmo tempo.
Mas é fato que a cultura do
teste se espalhou por todos os
domínios da vida, da política
ao mundo da moda, da música ao esporte. Hoje, tem o formato de uma cultura da celebridade.
Com a televisão, a democracia de massas passou a selecionar pessoas capazes de desempenhar diante da câmera,
por exemplo. É um movimento que pasteuriza os conflitos e
bloqueia o acesso da grande
maioria das pessoas à esfera
pública e à política.
Já a internet trouxe um contramovimento interessante.
Vídeos tecnicamente elementares atraem milhões de espectadores na rede.
Vale cantar fora dos padrões, dançar e representar
como for possível, lançar filmes caseiros. Não teve o efeito
de libertar por inteiro a sociabilidade da lógica do desempenho. Mas mostrou que o teste pode ter outro sentido que
apenas o de excluir.
Walter Benjamin dizia que a
cultura do teste mecanizado
não se aplicava ao esporte, onde os limites são, por assim dizer, naturais, onde o adversário não é a máquina.
Pode ser que mudasse de
ideia ao assistir a uma Olimpíada, ou a uma Copa do Mundo nos dias de hoje.
A dor física dos esportistas é
constante. O negócio bilionário do chamado "esporte de alto desempenho" exige literalmente sacrifício: são frequentes e esperadas fraturas, lesões, cirurgias. E o desempenho não é apenas físico e psicológico; exige ainda o desempenho diante da câmera.
A mensagem é a de que uma
disciplinada submissão à técnica traz a vitória pessoal e coletiva. Não se trata de vencer a
máquina, mas de lhe ser obediente em máximo grau. No
esporte oficial, a rebeldia é hoje tratada como delinquência.
Sem saudosismos, falta
agora inventar outros sentidos
para o teste esportivo. Para
que possa ser outra coisa do
que o produto pasteurizado de
um sofrimento muito real.
nobre.a2@uol.com.br
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