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A guerra paulista
BORIS FAUSTO
A denominação de guerra paulista
para a revolução de 1932 (9 de julho),
corrente na época, dá bem idéia da intensidade do confronto armado, inédito na história brasileira, entre o
maior Estado da Federação e o poder
central.
O entusiasmo com que a população
de São Paulo se envolveu no conflito
se refletiu no grande número de livros
publicados sobre o tema, logo após a
derrota. Esses livros são quase todos
dedicados a realçar os brios paulistas
diante das arbitrariedades do governo
provisório, os feitos de combate, a suposta ou real traição de aliados etc.
Com o correr dos anos, à literatura
de exaltação produzida no calor da
hora, opôs-se uma interpretação inspirada nos pressupostos do marxismo. A revolução de 1932 teria sido um
movimento da oligarquia paulista,
apeada do poder, cujos interesses,
vinculados à agricultura de exportação, tinham sido atingidos por uma
nova ordem imposta pelo governo
Vargas. A bandeira de luta pela constitucionalização do país, pelas liberdades democráticas, não passaria de instrumento ideológico -ou seja, um
véu mistificador, a ocultar os reais interesses em jogo.
Esse enquadramento, na sua atraente simplicidade, não dá conta do episódio de 1932. A guerra paulista tinha
duas faces: uma voltada para o passado e outra para o futuro. Na primeira,
estampava-se, de fato, sua vinculação
com a velha política regional e com os
interesses do que se convencionou
chamar de burguesia cafeeira. Na segunda, surgia o desejo de que uma ordem constitucional, com a garantia
das liberdades civis e políticas, fosse
instalada no país. Esse desejo refletia
uma crença política e não necessariamente interesses materiais.
O problema da elite paulista daqueles anos, sustentada pela classe média
letrada, reside no fato de que ela não
possuía nem uma estratégia nem um
discurso para incorporar à cidadania
as massas urbanas que começavam a
ganhar significado. O getulismo tinha
ambas as coisas. Combinou a repressão à esquerda com o enquadramento
dos sindicatos; os apelos simbólicos
aos "humildes" ou, conforme as circunstâncias, aos "trabalhadores do
Brasil", aliás de enorme significado,
com vantagens materiais proporcionadas aos trabalhadores urbanos.
A força da estratégia dos vencedores
se revela em vários aspectos: não por
acaso a memória de Getúlio se mantém viva nas classes populares através
das gerações; a estrutura corporativista da chamada Era Vargas permanece
até hoje de pé, em muitos pontos, defendida pelos remanescentes do velho
populismo e não só por eles.
No campo oposto, a face de 1932,
voltada para o passado, converteu-se
em história. Mas a face voltada para o
futuro merece ser revalorizada. Duas
décadas de autoritarismo militar, seguidas de um esforço que ainda não se
completou no sentido de se consolidar
no país o regime democrático, nos indicam a justeza dessa revalorização.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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