São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os espaços comunitários futuros

IVES GANDRA MARTINS e JEAN-MARIE DE BACKER

Há sinais de superação nas dificuldades momentâneas de entendimento entre os espaços comunitários europeu e do Cone Sul, na América, centradas principalmente na intransigência francesa no que concerne aos subsídios agrícolas e nas denominadas áreas sensíveis de serviços e produtos industriais. O acordo com a OMC permite, a médio e longo prazo, uma visão moderadamente otimista.
Em verdade, a globalização da economia, resultante da queda do Muro de Berlim e da eliminação do socialismo político e do dirigismo econômico do bloco dominado pelos soviéticos, terminou desventrando a fragilidade da economia de escala e da livre concorrência, sem regras pré-acordadas, que pressupõem exaustivas discussões.
As sucessivas rodadas do milênio iniciadas em Seattle e ainda sem visibilidade clara nas reuniões de Doha estão a demonstrar o quanto ainda se tem a caminhar para que normas mais coerentes, justas e desburocratizantes rejam o comércio internacional, dando, a OMC, em seu papel de sucessora do GATT, tímidas passadas, com outorga de direito à retaliação mais de conteúdo moral do que pragmático.
É que, em áreas sensíveis, o regramento internacional está longe de ter encontrado a via mais adequada, entre países emergentes e desenvolvidos, havendo crescimento de variados grupos de pressão ou de estudo, na busca de soluções (G8, G10, G20, G33, G90, G5), além da atuação de organismos tradicionais para equacionamento de controvérsias econômicas ou políticas. Ocorre que, no mercado internacional, o objetivo comum é a procura de saldos em balanços comerciais, com conquista de espaços externos, sem perda daqueles internos, revelando-se, ainda, a teoria da vantagem comparativa insuficiente para balizar a concorrência internacional de forma válida e não-traumática.


Em áreas sensíveis, o regramento internacional está longe de ter encontrado a via mais adequada


Com teses divergentes e sem disposição de ceder, países desenvolvidos e emergentes ainda patinam na busca de uma solução global, que passará, necessariamente, por concessões mútuas.
Embora os autores deste artigo estejam convencidos dessas dificuldades, entendem que elas terminarão por ser superadas e que o fortalecimento dos grandes blocos (União Européia alargada até 2007 e Mercosul aglutinando países da América Latina, como México, Chile, Bolívia, Venezuela e outros, a médio prazo) permitirá diálogo mais fortalecido, em que as mútuas concessões serão a decorrência natural da necessidade de convívio comercial.
A verdade é que o mercado americano descompassa ou recompassa a economia mundial, independentemente dos grupos. Quando sua economia melhora, a economia mundial melhora. Quando piora, toda a economia mundial sofre. A União Européia, com 25 países, tem PIB igual ao dos EUA (em torno de US$ 12 trilhões de dólares). A América Latina inteira tem 15% do PIB americano ou europeu. África e Oceania pouco representam, na atualidade. A Ásia possui três gigantes (Japão, China e Índia) e mais algumas potências menores, como a Coréia do Sul. E somam 65% do PIB europeu ou americano. Os ativos financeiros mundiais, todavia, em torno de US$ 100 trilhões, contra um PIB pouco superior a US$ 35 trilhões, continuam ofertando liquidez e mobilidade excessivas para planejamentos a longo prazo, com sensível prejuízo às nações menos desenvolvidas.
Nesse quadro, à evidência, os países menos desenvolvidos oferecem pouca estabilidade, porém um potencial de mercado maior, que as nações mais desenvolvidas já não têm, algumas delas nos limites de suas forças de expansão.
O certo é que o mapa do mundo no futuro passa, necessariamente, pela composição desses fatores (agregação de nações, potencialização de mercados, capitalização de políticas vinculadas ao comércio exterior, mútuas concessões políticas e econômicas, convivência nas divergências e aproximação dos sistemas tributários -tema, aliás, das palestras do primeiro signatário deste artigo, em Coimbra e Bruxelas, em julho).
Aspectos que parecem, todavia, positivos para os países latino-americanos, nessa adequação de regras jurídicas e situações econômicas, é haver na presidência do Parlamento Europeu um espanhol e, na direção da Comissão Européia, um português -sem falar na simpatia que a eventual futura primeira-dama norte-americana, em caso de vitória do candidato Kerry, possa ter pelas nações latino-americanas, portuguesa, que é, de nascimento.
O certo é que até mesmo a Alca, que muitos têm por condenada, poderá ressuscitar, com fortalecimento do espaço amplo americano e com regras mais justas para os países em desenvolvimento, podendo encampar o regime de zona franca de comércio, que regula as relações entre Canadá, México e EUA.
Tudo é possível. Nada é impossível. O caminho integrativo continua árduo, mas, ao ver dos signatários deste, é irreversível.

Ives Gandra da Silva Martins, 69, advogado tributarista, é professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército. Jean-Marie de Backer, 59, advogado em Bruxelas (Bélgica), é autor do livro "Responsabilités des Dirigeants de Societés".


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