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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Torpor e reação no ar
SÃO PAULO - A popularidade de
Lula permanece inalterada, com índices de aprovação nas alturas, diz o
Datafolha, na primeira medição dos
humores do país pós-tragédia de
Congonhas. É um fato nada trivial.
Não obstante, algo mudou na paisagem política, ainda que a pesquisa
não registre a novidade em curso.
A passeata que reuniu no sábado
mais de 2.000 pessoas só em São
Paulo para gritar "Fora, Lula" também parece ser um fato pouco trivial. Era gente que se autoconvocou
pela internet, sem ajuda de partidos
políticos, sem entidades que os patrocinassem, sem lideranças famosas como atrativo. Um ato público
de direita explícita que extravasou
do espaço virtual para as ruas de
maneira espontânea. Ordinary people, como eles gostam de se chamar.
Um protesto cujas palavras de ordem eram "ca-cha-cei-ro!", "va-ga-bun-do!" e "Lula, ladrão, seu lugar é
na prisão!". E cujos cartazes diziam:
"Marta, fora, biscate!" ou "Lula,
maldito, relaxa e vaza!". Há quanto
tempo não se via algo assim? O
"Cansei", enfim, mostrou os dentes.
Será só um espasmo? Veremos.
Mas parece que o acidente da TAM
agiu como catalisador de insatisfações difusas, desencadeou uma onda raivosa contra Lula, desinibiu
ódios de classe, organizou anseios
reacionários numa espécie de pauta
embrionária do conservadorismo.
O governo já é conservador, sabemos. Talvez não o bastante para
quem acha que carrega o país nas
costas porque paga imposto. De
resto, a derrocada ética do PT, a
desmoralização geral da política e o
descaso prepotente do governo
diante da crise aérea deram combustível à neodireita emergente.
Não são milionários (vão muito
bem, obrigado). São, antes, a grande
parte da elite que se vê como classe
média eternamente ameaçada. Ora,
praticamente 80% dos brasileiros
ganham até cinco salários mínimos.
É essa desigualdade brutal que está
na origem da ilusão de ótica dos ricos de "classe média" que se dizem
vítimas do país. Parecem ter medo,
ódio e, agora, também inveja dos
pobres. Razões econômicas para
protestar? Talvez Freud explique.
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