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Um governo sem muito futuro
AUGUSTO DE FRANCO
Passados 55 meses de desgoverno do PT, já se pode ver por que a "fórmula neopopululista" não funcionou
MESMO DEPOIS do caos aéreo
e do acidente em Congonhas, a popularidade de Lula
não caiu. E daí? Fujimori -aquele
bandido que governou o Peru na década de 1990- tinha 70% de aprovação no seu período áureo, quando violava direitos humanos e assaltava os
cofres públicos.
Esses números são sempre supervalorizados, em especial pelos tolos,
pelos não-convertidos à democracia e
pelos bandidos.
Entre os tolos que ficam embasbacados com a resiliência da popularidade do nosso chefe populista (como
se alguém pudesse sê-lo sem tê-la) estão, é claro, os tucanos.
Foram eles os que mais contribuíram para que Lula desse a volta por cima no final de 2005. Se depender deles, nosso líder vai crescer de novo e
ainda mais no final de 2007.
Cada resultado de pesquisa favorável a Lula funciona como um reforço
negativo para o PSDB. Reforça o eleitoralismo (segundo o qual tudo se decide pela popularidade). Reforça, é
inevitável reconhecer, uma certa covardia (segundo a qual não se deve
afrontar alguém com tão alto índice
de audiência). E reforça uma incompreensão da democracia (segundo a
qual quem tem maioria tem sempre
legitimidade). Hitler e Mussolini
também tinham altíssimos índices de
popularidade, assim como Chávez.
Mas os tucanos têm uma dificuldade
crônica de perceber padrões.
Entre os não-convertidos à democracia estão os nossos atuais governantes e seus aliados.
Entre os bandidos está, infelizmente, boa parte do sistema político: os
partidos, verdadeiros domínios -no
sentido feudal- dos caciques (e que
atuam, não raro, como gangues políticas) e os agentes governamentais e
parlamentares (que funcionam em
geral como despachantes de recursos
públicos para fins privados).
É verdade que, com a ajuda dessa
gente, Lula poderia facilmente se recuperar do tropeço atual. Sobretudo
porque continua blindado. Sua inimputabilidade autocrática, baseada em
índices fujimorianos de popularidade, funciona como guarda-chuva para
a impunidade de seus colaboradores.
Fujimori chegou a ser preso (no
Chile), mas, como se sabe, até agora
não foi punido nenhum membro da
quadrilha petista que ocupou o Planalto. Alguém acredita que os tucanos
cobrarão providências?
Lula só não se recuperará se uma
opinião pública vigorosa disser: "Basta, cansei!". É o que está para ocorrer.
Pois, passados 55 meses de desgoverno do PT, já se pode ver por que a "fórmula neopopululista" não funcionou.
Em primeiro lugar, porque o governo não tem visão, não tem proposta e
não é capaz de inspirar confiança.
Na ausência desses fatores, aglutinantes indispensáveis de qualquer
coalizão minimamente estável de governo, o PT foi obrigado a comprar
uma base de apoio com dinheiro (às
vezes de forma criminosa, como no
mensalão), cargos e outras prebendas, ficando nas mãos de todo tipo de
oportunista, predador, corrupto e
meliante que veio à política para fazer
negócios. Uma base assim conformada é um problema, não uma solução.
Em segundo lugar, porque a governabilidade hoje não depende dessa
base de apoio do governo, e sim da
oposição. Embora tenha nos ameaçado com uma venezuelização, Lula sabe que só ficará no governo, diante
dos atuais questionamentos da sociedade -que tendem a aumentar-, se
continuar contando com essa estratégica quinta coluna. Mas, convenhamos, um governo que precisa da oposição para se manter não tem propriamente condições de governabilidade.
Em terceiro lugar, porque, tirando
os dois únicos "ativos" do governo
-os bons ventos da economia mundial e os altos índices de popularidade
do presidente-, todo o resto é uma
calamidade. A inépcia e a irresponsabilidade administrativas, acarretadas
pelo aparelhamento e pela corrupção
de Estado, gerou uma incapacidade
sistêmica de governar. É assim que,
para onde se olha, há má gestão, roubo e formação de quadrilha.
O país está nas mãos de bandidos e
se multiplicam episódios de falta de
controle e de acobertamento oficial
dos mais variados crimes e irregularidades. Sim, a afronta de Renan à democracia e o apagão aéreo (agora com
mais duas centenas de vítimas) são
sintomas da mesma doença.
Em quarto lugar, pois a conjunção
desses fatores não conseguirá resistir
muito tempo à exposição de suas mazelas pela mídia. De sorte que, se Lula
não conseguir capturar ou amordaçar
os meios de comunicação (como fez o
aliado Chávez), tudo indica que seu
governo não terá muito futuro.
AUGUSTO DE FRANCO, 57, é analista político do site e-Agora ( www.e-agora.org.br ) e autor de, entre outros livros, "A Revolução do Local: Globalização, Glocalização,
Localização". Foi conselheiro e membro do comitê executivo do Conselho da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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