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FERNANDO RODRIGUES
Domésticas de Brasília
BRASÍLIA - Toda vez que um amigo estrangeiro vem ao Brasil e passa em
casa é comum uma frase com um
misto de espanto e reprovação:
"You've a maid?!" ("você tem uma
empregada?!"). A surpresa é maior
com os anúncios de apartamentos
nos jornais: todas as plantas já prevêem as "dependências completas".
O eufemismo tem evoluído para "terceiro quarto reversível".
Não há país civilizado com tamanha sem-cerimônia a respeito de ter
empregadas domésticas. Em Brasília
-só podia ser aqui- apareceu uma
novidade: uma lei aumentando de
3,8 m2 para 8 m2 o tamanho mínimo
do cubículo das "dependências".
A lei humanitária partiu de um deputado local petista, Chico Vigilante.
Legislação aprovada, foi sancionada
pelo governador do Distrito Federal,
Joaquim Roriz -ele próprio um ex-petista e hoje filiado ao PMDB.
A mídia candanga saudou a lei.
"Projeto fulmina discriminação" e
"Quarto maior para domésticas" foram duas manchetes. É boa a lei?
Certamente dará mais espaço para
as empregadas. E daí? Daí muito
pouco. É mais uma demonstração de
como a América católica trata as
suas mazelas: prefere uma acochambrada em vez de resolver o problema.
O fato é que a Constituição de 88
criou duas classes de trabalhadores
no país. Uma delas é a dos que têm
direito a Fundo de Garantia, seguro-desemprego e outros benefícios. A outra, a das empregadas domésticas
-não, elas não têm FGTS nem seguro-desemprego. Também só têm direito a 20 dias de férias por ano.
Agora, em Brasília, terão oito metros quadrados nas suas "dependências". É sórdido, mas é mais ou menos assim: o regime é de semi-escravidão, só que agora haverá mais espaço. Nem isso é certo. Empreiteiras já
planejam entrar na Justiça contra a
lei. Apesar de Lula e Duda Mendonça
incentivarem uma grande festa para
amanhã, as empregadas domésticas
têm pouco a comemorar no dia da
Independência do Brasil.
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