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BORIS FAUSTO
Hegemonias
Nas últimas décadas, enquanto
o poder unilateral dos Estados
Unidos se afirma, autores de diferentes tendências vêm anunciando o fim
da hegemonia americana. Por exemplo, um autor marxista, Giovanni Arrighi, no prefácio de "O Longo Século
20" (1994), fala de um processo histórico definido pela ascensão, expansão
e derrocada do sistema norte-americano de acumulação de capital ao longo do último século e meio.
De fato, os sintomas de crise não são
poucos, indo da economia -veja-se o
enorme déficit na conta corrente dos
Estados Unidos- à sociedade, com
destaque para um crônico desemprego, que poderá resistir até mesmo a
uma nova onda de expansão econômica.
Na política externa, a partir da desastrosa Guerra do Vietnã, que resultou na morte de 50 mil americanos e
de 1 milhão de vietnamitas, as ações
militares dos Estados Unidos exibem
vários fracassos, como demonstra o
caso da Somália e provavelmente o do
Afeganistão e o do Iraque. O 11 de Setembro destruiu a crença na inviolabilidade do solo americano, enquanto a
luta contra o terrorismo se revela longa e difícil.
Além disso, se a hegemonia tem
uma vertente de coerção e outra de
consenso, esta última foi abalada, seja
pelas restrições impostas ao unilateralismo pelos países europeus, seja por
um sentimento antiamericano que se
alastra no mundo todo, embora a cultura de massa e o padrão de consumo
ianque estejam enraizados por toda
parte.
Mas convém não decretar tão facilmente o fim da hegemonia. Em primeiro lugar, pela razão óbvia de que
os Estados Unidos alcançaram um
triunfo maior ao saírem vencedores
da Guerra Fria, liquidando em seu
proveito uma bipolaridade de muitas
décadas. Afora isso, o pais continua a
ser, de longe, a maior potência econômica mundial, deixando ainda muito
para trás, no campo do poder militar,
qualquer nação ou bloco de nações.
A história do mundo, ao menos até
hoje, revela que, na crise de hegemonia de uma potência, navega a emergência de outra, como se viu acontecer
no processo de declínio da Grã-Bretanha e de ascensão dos Estados Unidos, com a interposição temporária da
Alemanha. Quem seria hoje o novo
poder hegemônico em marcha? É impossível afirmar. O Japão, que Arrighi
apontou equivocadamente como forte candidato, patina na recessão. A
China tem atualmente taxas de crescimento espetaculares, mas, mesmo
que as mantenha, graças em boa medida às inversões americanas, está a
uma distância imensa do poderio
econômico e militar ianque.
Dividida entre opções internas, às
voltas com os problemas da absorção
de novos membros, nada disposta a
construir uma força militar poderosa
-sendo a França uma voz isolada-,
a União Européia também não parece
ter uma vocação hegemônica.
Isso nos faz pensar na hipótese de
um mundo sem hegemonias, com
muitas polaridades, conferindo um
amplo espaço de atuação a organismos internacionais de que uma ONU
reformulada poderia ser o núcleo
central. Hipótese desejável, não descartada, mas infelizmente muito difícil de realizar-se.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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