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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Nas trevas de Deus
SÃO PAULO - A despeito das suas
diferenças, Dilma Rousseff e José
Serra são oriundos da esquerda e
pertencem ao campo progressista
da política brasileira. É tanto mais
esdrúxulo, por isso, que o segundo
turno comece pautado, de ambos
os lados, pela cabeça de Severino
Cavalcanti. Disputa-se para saber
quem é mais filho de Deus ou quem
consegue ser mais dramaticamente
contra a legalização do aborto.
Na noite de domingo, no seu primeiro discurso, Serra, com a mão
no peito, fez questão de agradecer a
Deus (seria um milagre que estivesse ali?). E Dilma, ao vivo no "JN",
anteontem, forçou a nota para dizer
que tinha o "princípio de valorizar a
vida em todas as suas dimensões".
O comércio com Deus pelo voto
religioso virou uma gincana teatral
para saber quem é mais impostor.
Serra, na ofensiva, como neoaliado do Senhor, e Dilma, na defensiva, embromando os fiéis, desempenham papéis complementares
de uma mesma regressão política.
Isso posto, Dilma precisa deixar
claro se mudou ou não de posição.
Em outubro de 2007, antes de ser
candidata, em sabatina na Folha
ela disse o seguinte sobre o aborto:
"Olha, eu acho que tem de haver
descriminalização do aborto. Hoje,
no Brasil, é um absurdo que não haja a descriminalização. Até porque
nós sabemos em que condições as
mulheres recorrem ao aborto. Não
as de classe média, mas as de classes mais pobres deste país. O fato
de não ser regulamentado é uma
questão de saúde pública. Não é
uma questão de foro íntimo, não.".
Os fatos corroboram o que Dilma
dizia até se converter num fantoche. O aborto ilegal é a terceira ou a
quarta causa (a depender do período analisado) da morte materna no
país. Estima-se que 5 milhões de
mulheres em idade reprodutiva (18
a 39 anos) já abortaram no Brasil.
Não é uma questão grave de saúde pública? Não é um debate que
candidatos progressistas à Presidência têm a obrigação de fazer?
FHC tem razão: não somos um
país conservador, mas atrasado.
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