São Paulo, segunda-feira, 06 de novembro de 2006

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JOÃO SAYAD

Paulistas e cariocas

DEBATES DE economia são como espetáculos de luta livre: os resultados são preestabelecidos. Na academia, seminários reúnem iguais para concluir o que já sabiam. No mercado financeiro discutem se a taxa de juros do final de 2007 será 12% ou 12,5%.
Existe um conflito não discutido: dos cariocas para cima, a política econômica é elogiada enquanto indústria e agricultura brasileiras são criticadas. Dos cariocas para baixo, mais o Centro-Oeste, reclamações sobre dólar barato, juros altos e desindustrialização. Minas, conciliadora, permanece onde sempre esteve.
As teorias econômicas estaduais são auto-explicáveis: empresários de um lado, rentistas de outro, igual aos tempos da Abolição. Mas sempre é possível conversar.
Cariocas: - A taxa de câmbio real (o preço do dólar relativamente aos demais preços da economia) e o juro real (os 13,75% menos a taxa de inflação) não dependem do Banco Central, que controla apenas taxas nominais. Se o dólar subir, a inflação sobe e reduz seu valor real, como na Argentina.
Paulistas: - É verdade. O BC controla juros nominais, e não os outros preços da economia. Assim como o piloto de um barco, que não tem breque (freio, diria um carioca), controla a velocidade, embora não controle a inércia do barco, mas consegue deslizar suavemente até o porto. O BC tem mantido os juros reais acima de 10% a.a. há quatro anos, bem à frente da vice-campeã mundial, a Turquia com 5% e déficit público maior que o nosso.
Cariocas:- O dólar barato não é resultado dos juros altos. Paulistas:- Verdade. O dólar ficou barato na Europa, na América Latina e na Ásia, exceção à China.
Mas o real é a moeda que mais se valorizou na América Latina. Por muitas razões, sendo a taxa de juros a mais importante. Nenhum governo precisa inventar problemas. Se não fizer nada e mantiver a redução de 0,5 ponto dos juros a cada 45 dias, chegamos ao fim de 2007 com juros nominais de 9,75% e juros reais de 5,25%.
Continuamos campeões mundiais de juros, mas economizamos 2,5% do PIB. O déficit nominal do governo diminui para 2,5% do PIB sem cortar despesas correntes. Podemos crescer mais do que 3%, sem sangue ou lágrimas. É cenário fácil e provável.
Verdade que juros e câmbio não são o único empecilho para o crescimento, como dizem os cariocas.
São apenas os maiores, mais conhecidos e mais visíveis entre eles -um imenso iceberg à proa. Com juros reais de 10%, continuaremos deslizando lentamente, até que um tubarão engula barco, piloto medroso e todos os brasileiros.
jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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