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RUY CASTRO
A uma lua de 40º
RIO DE JANEIRO - A montagem de
"O Barbeiro de Sevilha", de Rossini, pela Companhia Brasileira de
Ópera, dirigida pelo maestro John
Neschling, em São Paulo, pode me
redimir de uma frustração sofrida
em julho último, quando, por circunstâncias, vi-me justamente em
Sevilha, linda cidade da Andaluzia,
na Espanha, e achei que seria engraçado fazer a barba com um legítimo barbeiro de Sevilha.
No que me decidi, toca a procurar nas ruas uma barbearia -e era
lícito supor que o que não faltasse
em Sevilha fossem barbearias, daquelas tradicionais, com três ou
quatro cadeiras e um barbeiro de
prontidão na porta do estabelecimento, tesoura e pente no bolso do
jaleco branco. Mas, neca. Durante
uma tarde inteira, a uma lua de
40ºC, subi e desci calles, paseos e
carreteras, perguntei em bancas de
jornais, consultei mapas -e nada.
Na busca de um barbeiro em Sevilha -qualquer um servia-, varejei os lugares que nosso cônsul João
Cabral de Melo Neto palmilhou nos
anos 50 e 60 e transformou em poesia: "A cidade mais bem cortada/
que vi, Sevilha;/ cidade que veste o
homem/ sob medida". Aliás, numa
das ruas, julguei reconhecer a mulher que ele descreveu como "carne
do campo de Sevilha;/ carne de terra adentro,/ carnal, jamais marisca". Só não achei o barbeiro.
Nos dias seguintes, invadindo
propriedades particulares, embarafustei-me pelos pátios em que Buñuel fez Angela Molina seduzir e
torturar Fernando Rey em "Esse
Obscuro Objeto do Desejo" (1977),
filmado lá. Em vão. Inconformado,
contornei a Giralda e o Alcazar, explorei os arredores de catedrais góticas e cristãs, revirei a cidade -e nem um único barbeiro em Sevilha.
Bem, à falta do original, sempre
restará o de Rossini, não? Ou quem
sabe não será por isso mesmo que
os barbeiros debandaram de Sevilha? Para não ser importunados o
ano todo por turistas com humor de
ópera bufa.
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