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VINICIUS MOTA
Mitos e ritos financeiros
SÃO PAULO - Parece sina de governos de esquerda realizar com radicalidade as reformas requeridas pela
turma da finança global. Assim foi
no início dos anos 80 na França, na
Austrália e na Nova Zelândia; assim
foi na ascensão de Tony Blair, nos 90.
O PT de Palocci dá todos os acenos
de que manterá a escrita, com o superávit fiscal que for "necessário" e a
"autonomia operacional" do BC. O
chão -a abolição dos controles de
câmbio do Estado- é o limite.
Lady Thatcher, em outubro de
1979, mostrou o caminho. Numa tacada, extinguiu todo o sistema de regulação cambial do Banco da Inglaterra, que perdurava por 40 anos. Reza a lenda que, não satisfeito, o thatcherismo destruiu os arquivos sobre
controle de câmbio de seu banco central a fim de evitar a sua reintrodução por governos futuros.
Friedriech Hayek (1899-1992) advertia que os controles de câmbio permaneceriam uma ameaça enquanto
os governos tivessem o "poder físico"
de implementá-los e recomendava a
interdição constitucional desse recurso. Talvez atentos à advertência e à
recomendação, dois economistas do
Real apregoam que o Brasil torne livremente conversível a sua moeda,
isto é, que proíba por lei (constitucional?) o BC de controlar o câmbio.
A relação entre meios e fins, nessas
propostas, faz lembrar do grego que
imolava animais a fim de conquistar
a confiança (ou aplacar a ira) dos
deuses. Pregam que, se o Brasil manifestar a vontade inequívoca de participar da globalização, será recompensado pelo afluxo de divisas.
Seria apenas curioso notar, se não
doesse tanto, que a economia contemporânea criou uma mitologia em
torno da finança, articulando temas
ancestrais -como o sacrifício- a
ideologias modernas -como o individualismo possessivo e a concepção
do Estado negador da liberdade. Nesse sistema de crenças, por paradoxal
que pareça, oferendas e sacrifícios
-devidamente ritualizados, periódicos e cada vez maiores- aparecem
como requisito para a autonomia.
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