São Paulo, terça-feira, 07 de janeiro de 2003

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VINICIUS MOTA

Mitos e ritos financeiros

SÃO PAULO - Parece sina de governos de esquerda realizar com radicalidade as reformas requeridas pela turma da finança global. Assim foi no início dos anos 80 na França, na Austrália e na Nova Zelândia; assim foi na ascensão de Tony Blair, nos 90.
O PT de Palocci dá todos os acenos de que manterá a escrita, com o superávit fiscal que for "necessário" e a "autonomia operacional" do BC. O chão -a abolição dos controles de câmbio do Estado- é o limite.
Lady Thatcher, em outubro de 1979, mostrou o caminho. Numa tacada, extinguiu todo o sistema de regulação cambial do Banco da Inglaterra, que perdurava por 40 anos. Reza a lenda que, não satisfeito, o thatcherismo destruiu os arquivos sobre controle de câmbio de seu banco central a fim de evitar a sua reintrodução por governos futuros.
Friedriech Hayek (1899-1992) advertia que os controles de câmbio permaneceriam uma ameaça enquanto os governos tivessem o "poder físico" de implementá-los e recomendava a interdição constitucional desse recurso. Talvez atentos à advertência e à recomendação, dois economistas do Real apregoam que o Brasil torne livremente conversível a sua moeda, isto é, que proíba por lei (constitucional?) o BC de controlar o câmbio.
A relação entre meios e fins, nessas propostas, faz lembrar do grego que imolava animais a fim de conquistar a confiança (ou aplacar a ira) dos deuses. Pregam que, se o Brasil manifestar a vontade inequívoca de participar da globalização, será recompensado pelo afluxo de divisas.
Seria apenas curioso notar, se não doesse tanto, que a economia contemporânea criou uma mitologia em torno da finança, articulando temas ancestrais -como o sacrifício- a ideologias modernas -como o individualismo possessivo e a concepção do Estado negador da liberdade. Nesse sistema de crenças, por paradoxal que pareça, oferendas e sacrifícios -devidamente ritualizados, periódicos e cada vez maiores- aparecem como requisito para a autonomia.


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