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CARLOS HEITOR CONY
"Eu nem quero ver"
RIO DE JANEIRO - Ary Barroso foi, a seu tempo, não apenas o maior compositor mas também o maior locutor
esportivo do rádio brasileiro. Criou
ou ajudou a criar o mito do Flamengo, do torcedor apaixonado, intolerante, radical.
E misturava tudo na pessoa física e
na pessoa jurídica. Quando transmitia um jogo do Flamengo e o time ia
mal das pernas, limitava-se a uma
transmissão lacônica, amargurada.
Digamos um Fla x Flu.
Ele se entusiasmava quando o Flamengo atacava: "Zizinho passa a Pirilo, Pirilo recua para Biguá, Biguá
estende para Zizinho, lá vai ele, entrando... o juiz dá impedimento. Agora é a vez deles. Olha aí, eu não disse?
Didi dribla Biguá, passa a Carlyle,
que vai entrando... Orlando se coloca... pronto! Nem quero mais ver!"
Ary fazia silêncio. Silêncio no estádio. Meio minuto depois, os gritos da
torcida do Fluminense. Ary puxava
sua gaitinha, soprava uma, duas notas -"Eu não disse?". O ouvinte ficava sem saber como tinha sido o gol,
quem o fizera (quando o gol era do
Flamengo, ele tocava uma sinfonia
inteira na gaitinha).
Lembro essa história que, embora
fantástica, é verdadeira. E tenho vontade de imitar Ary Barroso, não
diante de um jogo de futebol, mas da
sucessão presidencial.
Embora não torça por nenhum dos
lados, estou achando o jogo feio e fraco. Ainda bem que ninguém depende
de mim para saber como vão as coisas. Mas, volta e meia, nos jornais,
nas revistas e na TV, sobretudo, fico
sabendo que Ciro passa para Brizola,
Brizola evita Garotinho e estica para
Itamar. Itamar vai passar para Serra,
mas Lula intercepta... O jogo está
chato e é comprido. Só teremos o placar final daqui a oito meses -mesmo com a prorrogação do segundo
turno.
Pode ser que, nos minutos finais, eu
me entusiasme um pouco. Por ora,
estou que nem o Ary: nem quero ver.
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