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TENDÊNCIAS/DEBATES
O protesto em busca da alternativa
CANDIDO MENDES
Porto Alegre acolheu mais de 60
mil pessoas no recém-terminado
Fórum Social Mundial. Fez-se de um
lastro majoritário de mocidade, abaixo
de 25 anos, somado a este enxame de latino-americanos, andinos, caribenhos
até, mas, sobretudo, da leva de argentinos, tascando na sua indignação o neoliberalismo como o fantasma de todos
os futuros.
Aplausos parcos nas assembléias-monstro da PUC para além de 3.000 assistentes mais ratificadores do óbvio do
que aplaudindo verdadeiras alternativas ao mundo que está aí. O sucesso e o
pacifismo integral da manifestação levaram de volta ao aeroporto José Bové,
o ferrabrás de Porto Alegre 1, e quase
popular anônimo, agora, na calmaria,
que é também tributária da superorganização.
O Estado e a prefeitura gaúcha tomaram conta, nacionalmente, do evento,
pelo programa concreto de realizações,
que rasga o que seja um outro Brasil administrado pelo PT. Lula pode até ser
recebido com a nova distância, dos que
o vêm como o futuro situacionismo, engendrando um dissenso à sua esquerda.
Da mesma forma, o governo do Rio
Grande sofre a crítica de ideologias puras, como a dos adeptos do método
Paulo Freire. Confrontam o partido por
não verem esta prática educacional como "tomada de consciência", mas como efetivo e determinado esforço de
politização.
Faltaram as interrogações mais candentes sobre as opções de futuro, as que
trafegaram nos microfones da capital,
nas levas laranja dos monges budistas,
dos bubus africanos, dos slogans do
Che, ou nas novas camisas-protesto
contra o horror argentino. Não se debateu a iminência das guerras das religiões, nem o novo estatuto antiterror,
nem o conceito de "combatente ilegal"
dos prisioneiros no Afeganistão, frente
às Convenções de Genebra. A urgência
da defesa dos direitos humanos não levantou um auditório, frente à admirável
Mary Robinson, a delegada oficial das
Nações Unidas. Mais ainda, o tema do
fundamentalismo foi à contradição.
Combatida por uma palestina, mais se
acentuava a ambiguidade da reivindicação. Para a mulher islâmica, ameaçada
pela luta antiterrorista, vale mais a defesa do Islã que a identifica, ou o fundamentalismo que exigiria uma subsequente e adequada revisão crítica da
cultura em que se insere? As prioridades
de confronto com a globalização esperam ainda o pós 11 de setembro. Em vez
de correr à frente dos novos riscos, entretanto, a sociedade civil, pelas multivozes de suas ONGs, repetiu o clássico
receituário antiimperialista, como se a
hegemonia ocidental de hoje fosse apenas o seu caso agravado, diante da cruzada ocidental que põe em risco um verdadeiro pluralismo, na ameaçadíssima
convivência internacional.
Rigoberta Menchou falou da importância desses contatos interculturais, de
periferia a periferia, sempre devolvidos
pelo monopólio mediático do mundo
globalizado. Nem a conversa do cidadão, mesmo com as catacumbas da internet, criou uma agenda inovadora,
para além dos gurus. Por enquanto, não
se avançou do protesto entrincheirado,
ou mesmo obsoleto, ao esboço efetivo
da alternativa.
Não se avançou do protesto entrincheirado, ou mesmo obsoleto, ao esboço efetivo da alternativa
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Por mais que o professor Boaventura
nos exiba uma receita "prêt-à-porter"
do novo caminho, estamos por demais
envolvidos no inconsciente neoliberal, e
na perversão de sua esperança, ou na
força de sua propaganda, para, de imediato, ir-se mais além do que a coletividade não quer como modelo. E a garantia deste avanço é sintonizar-se com as
verdadeiras prioridades em Davos, Nova York ou Porto Alegre, para saber-se o
que é o mundo a defender-se contra o
fundamentalismo antiterror. Não passaram pelo fórum gaúcho as novas
apreensões despertadas pelo pós-Afeganistão, no porte que assumirá a cruzada ocidental, a assumir o risco de erradicar com o terrorismo um legítimo e
efetivo pluralismo de culturas, na presunção de que se erige uma só e estrita
civilização.
Porto Alegre 3, a ter relevo, divisará o
avanço do calendário do abate dos países enunciados no State of the Union do
presidente Bush como, literalmente, o
eixo diabólico da atualidade, o Iraque, o
Irã e a Coréia do Norte estão na mira do
novo esforço militar, no peso dos 70%
em que os americanos mantêm, num
inédito apoio, a confiança no governo
Bush.
Da mesma forma, o socialismo entra
em ano crítico nessa Europa, que veio
fazer praça de sua proposta do amanhã
em Porto Alegre. Lula fará a campanha
de Jospin fundindo um repúdio ao neoliberalismo. E entre nós, o PT, no encampar a esquerda praticável, busca a
mesma alternativa, e expõe-se para tal,
às críticas da radicalidade, vindas justamente dos seus arraiais gaúchos.
À espera do que disserem os franceses
em abril do ano vindouro, e no novo
pacto de reenvio de mensagens, em que
a social democracia faz a média entre o
partido de Jospin e o de Lula, o Brasil
testará em outubro se vai às urnas tão só
para o voto ou para uma opção. E a alternativa que cresça sobre a coceira do
protesto, reclama um nível de ruptura
em que só o PT parece bater no cravo do
futuro.
Candido Mendes, 73, é presidente do "senior
board" do Conselho Internacional de Ciências
Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e
membro da Academia Brasileira de Letras e da
Comissão de Justiça e Paz.
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