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São Paulo, sexta-feira, 07 de fevereiro de 2003

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GABRIELA WOLTHERS

Uma questão de memória

RIO DE JANEIRO - Já que o Brasil não tem poder para alterar em um milímetro que seja o objetivo dos Estados Unidos de travar a guerra contra o Iraque, a imprensa brasileira, cuja importância no cenário internacional é mais nula ainda, deveria pecar pela ousadia. Poderia, por exemplo, publicar a foto de Donald Rumsfeld apertando a mão de Saddam Hussein toda vez que o nome do secretário da Defesa é citado.
A imagem, de dezembro de 1983, sintetiza a hipocrisia da política externa americana. A exposição constante da cena não mudaria o cenário mundial, mas serviria para mostrar que, se não temos poder, pelo menos temos memória.
Não foi um aperto de mão qualquer, daqueles que se dá apenas para cumprir o protocolo. Rumsfeld foi um dos mais importantes interlocutores dos EUA no Iraque nos anos 80, quando Saddam ainda era considerado um parceiro no Golfo Pérsico.
Nada há de novo nesta história, mas é sempre bom lembrá-la. Principalmente agora, quando os EUA teimam em passar a impressão de que Saddam é um desatinado que surgiu por osmose num país longínquo. Se há alguém que nada mudou desde 1979, quando tomou o poder por meio de um golpe, foi ele. Era um ditador e assim permaneceu. Quem mudou foram os EUA, antigo aliado que agora quer ensinar o que é democracia ao povo iraquiano.
O presidente George W. Bush e seu secretário da Defesa se horrorizam com a possibilidade de Saddam ter armas químicas e biológicas. Mas jogam para baixo do tapete o fato de que foram norte-americanos como Rumsfeld que facilitaram a obtenção da tecnologia pelo ditador, apesar da proibição por convenção internacional. Quando ela foi testada e aprovada contra curdos e iranianos, não houve oposição dos EUA.
Hoje o secretário da Defesa diz acreditar que "as pessoas no Iraque sabem que tipo de regime Saddam lidera". Elas sempre souberam. Quem teve um surto de amnésia que apagou 10 anos de convivência íntima foram os líderes americanos.


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