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Cinzas no Congresso
Pauta trancada por medidas provisórias, troca-troca de cargos e eleições restringem a iniciativa parlamentar
EM PLENA Quarta-Feira de
Cinzas, uma sessão solene abriu o ano legislativo
no Congresso Nacional.
É como se um espírito de austeridade e urgência tivesse orientado a escolha da data. Mas tudo
indica, infelizmente, que a simbologia do calendário não terá
conseqüências práticas sobre a
produtividade parlamentar.
Espera-se, desde a derrota sofrida pelo governo na CPMF, um
esforço conjunto da oposição e
da situação no sentido de iniciar
o debate da reforma tributária.
Outros temas de relevância, como a necessidade de agilização
dos processos judiciários, o fim
do imposto sindical ou o equilíbrio nas contas da Previdência,
estão cronicamente a exigir
atenção do Congresso e já acumulam suficiente histórico de
discussões na opinião pública
para que se tornem objeto de deliberação legislativa.
Já neste início de ano, contudo,
a pauta da Câmara encontra-se
bloqueada por uma série de medidas provisórias; nada de positivo pode ser votado enquanto não
se examinar o conteúdo, supostamente urgente, das últimas
manifestações de legiferância do
Executivo.
O abuso no recurso às medidas
provisórias não poderia ser mais
evidente do que no caso da TV
pública; concorde-se ou não com
a idéia, dificilmente alguém poderia argumentar que se trata de
assunto emergencial ou de relevância comparável à que assume
a reforma tributária.
A TV pública, entretanto, foi
criada por medida provisória; está entre as matérias que, ao lado
da concessão de recursos a ministérios como o da Pesca e do
Turismo, de créditos ao programa Pró-Jovem e da regulamentação da franquia postal, compõem o interminável samba-enredo das MPs do Executivo.
Mecanismos para limitar seu
uso não deixaram de ser cogitados pelo Congresso -num círculo vicioso, entretanto, têm sua
discussão travada pela própria
obstrução legislativa.
Chega-se, assim, a um paradoxo. O atual sistema de tramitação
das MPs foi concebido para fortalecer o Congresso: não mais se
aprovam automaticamente os
desejos do Planalto, como anteriormente acontecia em caso de
omissão decisória dos deputados
e senadores. Entretanto, o ritmo
desenfreado das medidas provisórias acaba por reduzir fortemente, na prática, a capacidade
congressual de formular propostas legislativas próprias.
Reduz-se com isso, também, o
espaço para a negociação política
substantiva. Tudo se resume, no
mais das vezes, a uma espécie de
"tudo ou nada" entre governo e
oposição, em torno da aprovação
ou rejeição das MPs, ou das crises periódicas que se dão na passarela das CPIs. Cargos públicos,
e não aperfeiçoamentos e mudanças em projetos de lei específicos, assumem desse modo, notoriamente, a função de moeda
básica na negociação.
Some-se a este quadro estrutural a circunstância de que 2008 é
também um ano eleitoral, abreviando o calendário parlamentar, e não são poucos os sinais de
que, iniciadas numa Quarta-Feira de Cinzas, as atividades do
Congresso venham a ser tão melancólicas quanto sugere a data.
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