São Paulo, quinta-feira, 07 de fevereiro de 2008

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Cinzas no Congresso

Pauta trancada por medidas provisórias, troca-troca de cargos e eleições restringem a iniciativa parlamentar

EM PLENA Quarta-Feira de Cinzas, uma sessão solene abriu o ano legislativo no Congresso Nacional. É como se um espírito de austeridade e urgência tivesse orientado a escolha da data. Mas tudo indica, infelizmente, que a simbologia do calendário não terá conseqüências práticas sobre a produtividade parlamentar.
Espera-se, desde a derrota sofrida pelo governo na CPMF, um esforço conjunto da oposição e da situação no sentido de iniciar o debate da reforma tributária. Outros temas de relevância, como a necessidade de agilização dos processos judiciários, o fim do imposto sindical ou o equilíbrio nas contas da Previdência, estão cronicamente a exigir atenção do Congresso e já acumulam suficiente histórico de discussões na opinião pública para que se tornem objeto de deliberação legislativa.
Já neste início de ano, contudo, a pauta da Câmara encontra-se bloqueada por uma série de medidas provisórias; nada de positivo pode ser votado enquanto não se examinar o conteúdo, supostamente urgente, das últimas manifestações de legiferância do Executivo.
O abuso no recurso às medidas provisórias não poderia ser mais evidente do que no caso da TV pública; concorde-se ou não com a idéia, dificilmente alguém poderia argumentar que se trata de assunto emergencial ou de relevância comparável à que assume a reforma tributária.
A TV pública, entretanto, foi criada por medida provisória; está entre as matérias que, ao lado da concessão de recursos a ministérios como o da Pesca e do Turismo, de créditos ao programa Pró-Jovem e da regulamentação da franquia postal, compõem o interminável samba-enredo das MPs do Executivo.
Mecanismos para limitar seu uso não deixaram de ser cogitados pelo Congresso -num círculo vicioso, entretanto, têm sua discussão travada pela própria obstrução legislativa.
Chega-se, assim, a um paradoxo. O atual sistema de tramitação das MPs foi concebido para fortalecer o Congresso: não mais se aprovam automaticamente os desejos do Planalto, como anteriormente acontecia em caso de omissão decisória dos deputados e senadores. Entretanto, o ritmo desenfreado das medidas provisórias acaba por reduzir fortemente, na prática, a capacidade congressual de formular propostas legislativas próprias.
Reduz-se com isso, também, o espaço para a negociação política substantiva. Tudo se resume, no mais das vezes, a uma espécie de "tudo ou nada" entre governo e oposição, em torno da aprovação ou rejeição das MPs, ou das crises periódicas que se dão na passarela das CPIs. Cargos públicos, e não aperfeiçoamentos e mudanças em projetos de lei específicos, assumem desse modo, notoriamente, a função de moeda básica na negociação.
Some-se a este quadro estrutural a circunstância de que 2008 é também um ano eleitoral, abreviando o calendário parlamentar, e não são poucos os sinais de que, iniciadas numa Quarta-Feira de Cinzas, as atividades do Congresso venham a ser tão melancólicas quanto sugere a data.

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