São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O terror penal
MIGUEL REALE JÚNIOR
Montesquieu, no século 18, já observava que um governo violento estabelece penas cruéis em vez de executar corretamente as antigas. Tal se deu em face dos roubos de carruagens, para os quais se criou o terrível suplício da roda, que os suspendeu por algum tempo; no entanto logo voltaram a ser como dantes. Agora surge como sanção disciplinar para falta grave, e não apenas excepcionalmente em caso de direção de ação criminosa de dentro do presídio, o recolhimento em cela pelo prazo de um ano no projeto aprovado na Câmara dos Deputados. No Senado aumenta-se para dois anos, podendo ser estendido indefinidamente. Autoriza o substitutivo entrevista com advogado tão-só uma vez por mês, a ser filmada, comunicando-se à Ordem dos Advogados e ao Ministério Público o nome do advogado, visto por suspeito de conluio com o cliente ao exercer sua profissão de defensor. Passam a existir os homens direitos, com direitos, e os homens não-direitos, sem direitos. Como assinala Caffarena, da Universidade de Sevilha, o isolamento celular deve ser excepcional, pois gera problemas psicossociais com labilidade afetiva, passando da agressividade à submissão, com estados de ansiedade, sendo certo que o isolamento por alguns dias causa conflitos de personalidade irreversíveis. Antes de legislar deve-se ouvir a ciência, para não consagrar pena cruel, vedada pela Constituição. O terror penal cria um clima de violência institucional, passando à sociedade a lição da legitimação da violência como a única resposta à complexa questão da criminalidade, sem resultados práticos senão o de exacerbar os ânimos de vingança e de ódio, com a divisão do país em dois pólos, o eixo do bem e o eixo do mal, sendo que a ética dos homens do mal passa a dirigir a conduta dos homens do bem, que agem como tais ao impor penas cruéis e ao aplaudir as cenas do massacre no filme "Carandiru", como já aconteceu. Perde-se a dimensão ética e tudo passa a ser válido: todo mal é justificado na luta contra o mal, inclusive matar fria e injustificadamente. A ética do bandido não pode forjar a resposta estatal. Cumpre, portanto, conclamar os parlamentares a parar para pensar e produzir uma legislação penal dirigida pela razão, como o farão na votação das reformas tributária e previdenciária, adotando como diretriz a análise desapaixonada, cobrando medidas de política criminal de cunho social e o combate à corrupção de agentes do Estado, sempre ligada ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. É esse o móvel do movimento contra o terror penal, que já reúne mais de uma centena de profissionais do direito e várias entidades de classe e de estudo do direito penal. Miguel Reale Júnior, 58, advogado, é professor titular da Faculdade de Direito da USP. Foi ministro da Justiça (governo Fernando Henrique) e secretário da Administração (governo Covas) e da Segurança Pública (governo Montoro) do Estado de São Paulo. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Ronaldo Lessa: Descongelar desigualdades: Torto x Davos Índice |
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