São Paulo, terça-feira, 07 de junho de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O resgate da nação

Quase 30 milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem na pobreza, muitos em extremos de miséria e de abandono, sem perspectiva de levar uma vida diferente da vida dos pais. De seu resgate depende o futuro do Brasil.
A melhor maneira de dar futuro a eles, e portanto ao país, é tornar a construção de um ensino público de qualidade o objetivo supremo do governo, subordinando tudo a essa exigência. As iniciativas destinadas a aliviar, para esses jovens, os sofrimentos, as humilhações e as incapacitações da pobreza só serão efetivas se forem acessórias ao esforço de educar.
As sondagens de opinião demonstram que nosso eleitorado coloca a educação bem baixo na hierarquia de suas preocupações. Por isso os marqueteiros aconselham os candidatos presidenciais a prometer empregos, segurança e saúde, e até estradas e açudes, antes de chegar a esse primo pobre das políticas públicas que é a capacitação dos brasileiros. Não importa. Um candidato demonstrará sua devoção ao engrandecimento do Brasil e dos brasileiros insistindo que o importante terá de aguardar até que se faça o indispensável. E confiando em sua capacidade de persuadir os eleitores dessa verdade dura e emancipadora.
No fundo, é muito simples. O Brasil fervilha de energia e de engenho. De tudo o que lhe falta, o que mais lhe falta é ensino público de qualidade para dar destino construtivo a essa ebulição que se dissipa no ar. Qual o cidadão sensato que não trocaria um país com estradas pavimentadas e gente ignorante por outro com suas estradas -e até com suas fábricas- destruídas, mas com população capacitada? Este, ao contrário daquele, detém a fonte da riqueza, o escudo da justiça e a garantia da liberdade. Até solução para os problemas das finanças públicas possui: os mercados emprestam, a título longo, a quem tenha capacidade para produzir; dos incapacitados, exigem retorno já.
Essa, só essa, é, portanto, a tarefa sagrada: construir ensino público que abra para o país as portas de outro futuro. Mínimos de investimentos por aluno e de desempenho por escola, asseguradas por mecanismos de investimento federal, de retribuição dentro da Federação e de intervenção corretiva quando os mínimos deixarem de ser satisfeitos. Pré-escolar e escola no ciclo básico de tempo integral, salvando a criança pobre das mazelas do meio e prestando-lhe ajuda alimentar e médica abrangente. Universalização da escola média. Pedagogia voltada para capacitação, tanto conceitual quanto prática, não para decoreba. Formação de professores e de materiais pedagógicos para elevar a qualidade do ensino público a partir de modelos de excelência que se multipliquem. Conquista da classe média para a escola pública, como fiadora de sua qualidade, em proveito de todos. Oportunidades e apoios extraordinários, de avanço escolar e de subsídio econômico, para o aluno pobre e aplicado. E, com tudo isso, dinâmica de emulação e de esperança na sociedade brasileira -não depois, mas já.
Quem conhece o assunto sabe que tudo isso é factível com instrumentos que já temos. Agora a tarefa é mostrar ao povo brasileiro que esse é o caminho para soerguer a nação. É a redenção de nosso grande país e a justificativa de nossas vidas de cidadãos.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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