São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A revoada dos corvos

JOÃO ANTONIO GARRETA PRATS

SÃO PAULO viveu uma grande tragédia. Numa verdadeira ação terrorista, criminosos desencadearam covardes ataques a policiais, matando mais de 30 integrantes das Polícias Civil e Militar. À repugnância pelas vis ações de uma facção criminosa, somaram-se a perplexidade e a consternação da sociedade com as famílias daqueles que morreram somente porque escolheram a proteção dos cidadãos de bem como profissão.


O açodamento e a busca desenfreada pelas capas de jornais têm conduzido a injustiças que o tempo não é capaz de cicatrizar


Quando se esperava que fossem deixados de lado interesses menores e paixões políticas, alguns representantes de órgãos estatais e de organizações não-governamentais esforçam-se para desmoralizar os responsáveis por restabelecer a ordem. A atitude desejável seria o reconhecimento do heroísmo dos que sucumbiram e da extrema coragem dos que, para restaurar a paz, enfrentaram tão perigosos facínoras sem nem sequer poder chorar pelos companheiros tombados. Atraídos pelas luzes de setores da imprensa, interessados na fácil notoriedade e buscando tirar proveito da situação, eles pretendem fazer crer que a resposta das autoridades foi exagerada. Invertem completamente os valores. Saídos das sombras, clamam pela punição de agentes da lei por excessos dos quais nem sequer há indícios. Pedem a destituição dos responsáveis pelos órgãos de segurança. Exigem publicação de nomes de marginais mortos, ainda que isso possa custar a vida de mais policiais ou atrapalhar a punição dos que ainda estão soltos. Não lhes importa a apuração efetiva. Contentam-se com simples históricos de boletins de ocorrência e esboços de laudos. É que têm medo de que, passado o estrépito, não mais tenham palco para satisfazer seus egos e defender seus escusos interesses. São perigosos como corvos. Há um ditado espanhol que ensina: crie corvos, e eles lhe arrancarão os olhos. A Justiça não pode abrigar operadores que não tenham como missão precípua buscar a verdade. Entendemos que não há espaço para a busca da fama, da realização de sentimentos de satisfação pessoal, como vendeta e projeção na mídia -o que constitui aspecto que em nada auxilia na realização da persecução penal. Talvez haja excessos por parte da reação policial. Aliás, eles são até prováveis ante o clima que se instalou na cidade e no Estado durante o período em que os criminosos espalharam o terror e o medo. Ninguém pode compactuar com a impunidade, menos ainda o Ministério Público de São Paulo. Assim, se algum agente do Estado se desviou de suas atribuições, ele deve ser punido. Entretanto, parece-nos que o açodamento e a busca desenfreada pela capas de jornais e noticiários televisivos têm conduzido a injustiças que o tempo não é capaz de cicatrizar. Para ficar em dois exemplos recentes: Escola Base e Bar Bodega. Um outro aspecto temerário da divulgação precipitada: a própria investigação. Trata-se de princípio comezinho que a técnica investigativa envolva discrição e trabalho árduo. Nenhum criminoso agiria se soubesse ser investigado. Divulgar dados sem nenhum critério apenas traz prejuízo ao Estado e benefício aos delinqüentes, cônscios de cada passo da investigação. Por fim, quem se responsabilizará pela vida de agentes policiais infiltrados, promotores que se aprofundam nos casos e juízes que autorizam atos como a escuta judicial? Quem pode garantir que a divulgação de partes da investigação não comprometa outras ações igualmente importantes? Se, uma vez mais, os criminosos se safarem, estas pessoas que hoje apenas buscam holofotes virão a público e explicarão as suas culpas? O momento exige dedicação ao Estado e à sociedade e não a busca desenfreada de projeção. Não tenho dúvida da capacidade dos promotores e procuradores de Justiça de São Paulo. Não precisamos, como o Estado de São Paulo também não precisou, de ajuda externa. Temos em nossos quadros os melhores profissionais que este país já produziu. É por isso que os promotores de Justiça que atuam no Foro Central Criminal da Capital firmaram documentos recolocando as coisas em seu devido lugar. Hipotecaram solidariedade às famílias enlutadas e reconheceram a eficiência das Polícias Civil e Militar. Há a certeza de que, como sempre, aqueles que verdadeiramente se dedicam à garantia da paz e da ordem, cumprirão seus papéis, norteados exclusivamente pela lei. Passada a revoada dos corvos, prevalecerão os verdadeiros valores democráticos.
JOÃO ANTONIO GARRETA PRATS , 49, procurador de Justiça em São Paulo e Presidente da APMP (Associação Paulista do Ministério Público).


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