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São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003

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VIVO OU MORTO

Na mais perfeita tradição do Velho Oeste americano, o presidente George W. Bush não pensa duas vezes antes de afirmar que os EUA devem capturar terroristas "vivos ou mortos". Embora dois dos inimigos de Bush, Osama bin Laden e Saddam Hussein, não tenham sido apanhados nem vivos nem mortos, a truculência norte-americana já produziu vítimas ilustres.
Os dois filhos de Saddam Hussein, Uday e Qusay, bem como um neto de apenas 14 anos do ditador, acabaram mortos numa operação militar muito mal explicada. Uday e Qusay não valem muitas lágrimas. A crer em relatos que parecem confiáveis, seguiam os passos sanguinários do pai. Não nos cabe, porém, decidir quem é bom e quem é mau, quem merece e quem não merece viver. O fato é que a consciência jurídica mundial já não pode admitir atitudes como a do presidente Bush, que ofende, a um só tempo, o direito internacional e a própria Constituição norte-americana.
Ninguém pode ser condenado sem julgamento. Nem mesmo Osama bin Laden, Saddam Hussein ou, hipoteticamente, Adolf Hitler. Nunca é demais lembrar que os carrascos nazistas foram levados, até mesmo pelos próprios EUA, às barras dos tribunais. A carga emocional não pode servir de pretexto para justificar a execução extrajudicial. Também Israel fez questão de julgar o criminoso nazista Adolf Eichmann, capturado em 1960 em Buenos Aires por um comando israelense. É verdade que isso se deu em outra época. Hoje, o país caminha na mesma senda de Bush ao promover assassinatos seletivos de palestinos apontados como líderes de grupos extremistas.
Até tiranos do calibre de Josef Stálin se preocuparam em dar a seus expurgos a aparência de legalidade. Embora tivesse toda a liberdade para assassinar quem bem entendesse na URSS, o ditador preferiu encenar a farsa dos processos de Moscou. Não o fez por amor ao teatro, mas possivelmente por ter julgado que o simulacro de tribunal traria vantagens políticas e, ao mesmo tempo, bastaria para aplacar a consciência jurídica de seus contemporâneos.
Mesmo que se admita a pena de morte -o que esta Folha não faz-, há uma diferença significativa entre executar um criminoso após julgamento e simplesmente assassiná-lo. O Estado que escolhe a segunda via abandona a juridicidade e se transforma no equivalente de um gângster que manda capangas matarem seus desafetos. No caso da política preconizada por Bush, existe ainda a agravante de ela arrogar-se o direito de fazê-lo em qualquer parte do mundo onde supostos terroristas estejam abrigados.
É profundamente lamentável que os EUA, um dos berços da democracia e dos direitos civis, tenham retrocedido tanto, e em tão pouco tempo, na escala da civilização.


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