|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIVO OU MORTO
Na mais perfeita tradição do
Velho Oeste americano, o presidente George W. Bush não pensa
duas vezes antes de afirmar que os
EUA devem capturar terroristas "vivos ou mortos". Embora dois dos
inimigos de Bush, Osama bin Laden
e Saddam Hussein, não tenham sido
apanhados nem vivos nem mortos, a
truculência norte-americana já produziu vítimas ilustres.
Os dois filhos de Saddam Hussein,
Uday e Qusay, bem como um neto de
apenas 14 anos do ditador, acabaram
mortos numa operação militar muito mal explicada. Uday e Qusay não
valem muitas lágrimas. A crer em relatos que parecem confiáveis, seguiam os passos sanguinários do
pai. Não nos cabe, porém, decidir
quem é bom e quem é mau, quem
merece e quem não merece viver. O
fato é que a consciência jurídica
mundial já não pode admitir atitudes
como a do presidente Bush, que
ofende, a um só tempo, o direito internacional e a própria Constituição
norte-americana.
Ninguém pode ser condenado sem
julgamento. Nem mesmo Osama
bin Laden, Saddam Hussein ou, hipoteticamente, Adolf Hitler. Nunca é
demais lembrar que os carrascos nazistas foram levados, até mesmo pelos próprios EUA, às barras dos tribunais. A carga emocional não pode
servir de pretexto para justificar a
execução extrajudicial. Também Israel fez questão de julgar o criminoso
nazista Adolf Eichmann, capturado
em 1960 em Buenos Aires por um comando israelense. É verdade que isso
se deu em outra época. Hoje, o país
caminha na mesma senda de Bush
ao promover assassinatos seletivos
de palestinos apontados como líderes de grupos extremistas.
Até tiranos do calibre de Josef Stálin se preocuparam em dar a seus expurgos a aparência de legalidade.
Embora tivesse toda a liberdade para
assassinar quem bem entendesse na
URSS, o ditador preferiu encenar a
farsa dos processos de Moscou. Não
o fez por amor ao teatro, mas possivelmente por ter julgado que o simulacro de tribunal traria vantagens políticas e, ao mesmo tempo, bastaria
para aplacar a consciência jurídica de
seus contemporâneos.
Mesmo que se admita a pena de
morte -o que esta Folha não faz-,
há uma diferença significativa entre
executar um criminoso após julgamento e simplesmente assassiná-lo.
O Estado que escolhe a segunda via
abandona a juridicidade e se transforma no equivalente de um gângster que manda capangas matarem
seus desafetos. No caso da política
preconizada por Bush, existe ainda a
agravante de ela arrogar-se o direito
de fazê-lo em qualquer parte do
mundo onde supostos terroristas estejam abrigados.
É profundamente lamentável que
os EUA, um dos berços da democracia e dos direitos civis, tenham retrocedido tanto, e em tão pouco tempo,
na escala da civilização.
Texto Anterior: Editoriais: VITÓRIA DO PLANALTO Próximo Texto: São Paulo - Vinicius Torres Freire: Terapia para o caos mental Índice
|