São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Lula, mistagogo ou estadista
JACOB PINHEIRO GOLDBERG
Um exemplo pode espelhar essa intenção. Em fazendas-modelo, tiram às porcas os seus porquinhos, logo depois de nascerem. Os leitões são alimentados com leite sintético, mamam em mamilos artificiais e um alto-falante transmite os grunhidos duma porca quando está a amamentar. Assim, as fêmeas têm crias três vezes por ano, em vez de duas. Nesse universo não existem flores. Seringas e agulhas ocupam o lugar de guitarras e preces. Isso culmina com a caricatura demagógica do pai protetor e do chefe predestinado, que se presume capaz de construir um mundo melhor acionado pelo progresso científico ou por modificações dos estratos sociais. A noção de que a justiça pudesse triunfar porque a democracia se estava expandindo, de que a educação iria igualar as pessoas, de que a corrupção iria acabar, de que a tortura desapareceria da Terra, de que a prosperidade prepararia o terreno para instituições internacionais fundadas na liberdade, igualdade e fraternidade, a partir de 1914, passa a ser questionada. Stálin criou um regime mais funcional do que o do czar, sacrificando a piedade. O nazi-fascismo banhou em sangue a humanidade, exilando Deus. Só a teologia pode despertar o homem para a vida misteriosa, sem a qual o ser se transforma em nada e a sociedade se brutaliza. O homem não pode, e não quer, viver com culpa e sem esperança. O Brasil culto não pode ser execrado em nome da culpa diante da miséria. Cultura não é pecado, ignorância não é virtude. Os nossos problemas não têm soluções tecnológicas ou radicais, e é preciso uma hipótese sustentável, como padrão de verificação do mundo, em que a alma possa frequentar sua carência no horizonte infinito. A essência do processo político, hoje, exige uma resposta espiritual. Podemos determinar as tramas das relações físicas, biológicas, psicológicas e econômicas que ligam a população, o ambiente e suas atividades. Mas, se não houver a consciência do sagrado, não haverá liberdade, e a dialética da ideologia será uma estratégia de perversidade vazia, conduzindo à violência, desespero e destruição. Ideologia servida por manipulações que castram os órgãos de comunicação, sacrificam a universidade como espaço de pesquisa independente, atrelam os sindicatos ao centralismo burocrático, desagregam a família por um individualismo caótico e tornam a religião um movimento sem Deus. E toda essa distorção da perspectiva do humano faz-se com a cumplicidade do intelectual, expressão de ansiedade e de ceticismo, pronto a pregar a coexistência da dúvida no eterno com a crença cega nos valores hedonísticos, o álcool, a pornografia, a excitação artificial, o ativismo compulsivo, mecanismos de fuga da angústia existencial. As contradições de Lula refletem muito de nossos conflitos que exigem sutileza e nitidez. Ser um ótimo presidente ou o messias anunciado. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Finalmente, nesse cenário, o MST deve ser encarado como um co-protagonista para nossa introdução na modernidade, não cabendo um conflito glauberiano na terra do sol. Jacob Pinheiro Goldberg, psicanalista, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e professor convidado pela Uniwersytet Jagiellonski (Cracóvia, Polônia). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Milú Villela: Uma revolução silenciosa Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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