|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Perguntas não-inocentes
RIO DE JANEIRO - Autoridades
aqui do Rio, preocupadas com a devassidão provocada por travestis e
prostitutas, sobretudo na orla, e decididas a transformar a cidade num
mosteiro de absoluta castidade,
pretendem fotografar a placa dos
carros daqueles que se abastecem
de sexo com a mais antiga das
profissões.
Tecnicamente não é impossível.
As ruas já estão vigiadas por milhares de "pardais", alguns ostensivos,
outros disfarçados, que fotografam
infrações do trânsito, criando uma
prova que não pode ser negada na
hora de cobrar a multa respectiva.
Até aí, tudo bem. É o ovo (e o olho)
do Big Brother que nos espreita e,
gradativamente, vai enterrando a
privacidade de todos nós.
No caso do uso das prostitutas, a
pergunta que deve ser feita é a seguinte: o que farão as autoridades
com as fotos obtidas? Não será caso
de multa, uma vez que não se trata
de infração de trânsito nem de infração penal. Haverá um arquivo
que poderá ser usado para chantagear os usuários? Ou a medida se
destina apenas a constranger o freguês, na base do "você está sendo
fotografado!"?
Se o cara é solteiro ou descompromissado, se estiver na cidade a
turismo ou a negócio, nem mesmo a
chantagem será temida. A nova lei
não terá condições nem sequer de
constrangê-lo. Sobram os casados e
comprometidos, esses, sim, terão
motivos para não serem fotografados na tradicional e indispensável
tarefa de "chercher la femme", ou
equivalente masculino, no caso do
travesti.
Muito complicado. As fotos obtidas serão remetidas para quem?
Para o próprio? Para a mulher ou a
namorada? Para o patrão? Para os
jornais e tevês? Ou farão parte de
um dossiê, como as conversas obtidas pelos grampos telefônicos, para
o caso de uma necessidade?
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Radicais de uns e outros Próximo Texto: Sérgio Malbergier: O que Lula fez e o que não fará Índice
|