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FERNANDO GABEIRA
Uma flor de pessoa
RIO DE JANEIRO - Durante anos
morei em Brasília no edifício Burle
Marx. Ver aquele nome atenuava
uma certa sensação de tristeza com
o Brasil. Graça a uma outra grande
figura, Luis Carta, tive a oportunidade de conviver alguns dias com
Burle Marx. Junto com um fotógrafo alemão, preparei uma edição da
revista "Vogue" que saiu com este
título do artigo.
Naquela época, eram dias de convivência e de pesquisa para escrever
um perfil. Foram vários almoços no
sítio em Mangaratiba. O cozinheiro
de Burle Marx era tão bom que
abriu um restaurante na mesma
área.
A primeira coisa que se notava no
cotidiano de Burle Marx era a sua
dedicação à pintura. Só depois é que
se falava sobre paisagismo. E, ao final dos almoços, ele cantava trechos de ópera com uma voz da qual
também se orgulhava.
Fizemos juntos uma viagem a Belo Horizonte para ver como ele planejava uma praça e, sobretudo, como acompanhava em cada detalhe
a sua construção.
Fisicamente, Burle Marx me
lembrava um pouco Noel Nutels,
que admirava na juventude. Conheci Nutels no aeroporto de Belém,
viajamos juntos e nunca o esqueci.
Burle Marx mostrou as flores de
seu sítio, contou a história de cada
uma e muitas levam seu nome.
Concentramos nosso trabalho na
diversidade de seu talento e esquecemos um pouco as flores. É hora
de voltar ao sítio.
Em Brasília, Burle Marx não é
apenas o nome de um prédio, mas o
arquiteto de seus jardins. Sem ele, a
cidade seria dura. Sem ele, não apenas a capital mas o país seria diferente. Com voos saindo do Santos
Dumont, é possível transitar do Rio
para Brasília em paisagens de Burle
Marx. Pena que, ao fechar os olhos,
não o ouça mais cantando seus trechos de ópera, mas discursos raivosos e lamentos por um Brasil que
ainda não floresceu.
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