São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O fascismo revisitado
BORIS FAUSTO
Para tanto, convém lembrar as características básicas do fascismo que o distingue de outras correntes de direita, dentre elas as autoritárias e o conservadorismo católico. Ele se definiu como um movimento e um regime político antidemocrático, que tratou de abranger todos os aspectos da vida social, da esfera política à cultural, a exemplo de outros totalitarismos. Seu instrumento essencial de poder localizava-se no Estado, com a liderança concentrada no líder máximo, representado tipicamente por Mussolini, na Itália. Nesse aspecto, o fascismo distinguia-se do hitlerismo, pois este concebia o partido único como instituição do Estado, enquanto o hitlerismo deu ao partido maior dimensão, transformando-o no Partido-Estado. Movimento moderno, distinto dos velhos conservadorismos, o fascismo soube utilizar, antes dos nazistas, o simbolismo dos grandes rituais como processo eficaz de identidade: as grandes cerimônias de iniciação e de comemoração, as bandeiras, as cores, os gestos etc. Todos esses traços, ressalvadas as proporções, eram elementos essenciais do integralismo na sua versão brasileira, o que nos leva a identificá-lo como fascista. Diz o prof. Reale que "variantes pessoais", não redutíveis às opiniões de Plínio Salgado -o chefe nacional-, faziam parte do integralismo. Isso não constitui novidade nem altera a marca fascista do movimento, mesmo porque houve também diferenças no âmbito do fascismo italiano e do hitlerismo, algumas das quais liqüidadas, outras domesticadas. Entre as "variantes pessoais", o prof. Reale lembra a figura de Gustavo Barroso, que, em suas palavras, "distinguia-se por seu anti-semitismo, não de caráter racial ou religioso, mas apenas do ponto de vista econômico (...)". Não é o caso de entrar aqui numa discussão minuciosa do anti-semitismo de Barroso. O fato é que esse aparentemente desculpável anti-semitismo de corte econômico foi um dos mitos integrantes do anti-semitismo tradicional que Hitler incorporou com eficácia social para obter apoio e justificar, entre outras razões, a sanha contra o povo judaico que desembocou no Holocausto. Gustavo Barroso, membro da augusta Academia Brasileira de Letras, à qual comparecia envergando por vezes a camisa verde integralista, foi um admirador sem restrições do nazismo e fez da erradicação do "lixo judaico" uma de suas pregações preferidas. Quem quiser conferir a paranóia do personagem pode percorrer não só o livro "Brasil, Colônia de Banqueiros", como também "A Sinagoga Paulista", um detonador de riso e de náusea. A interpretação e reinterpretação da história é um processo inevitável e, mais do que isso, saudável. Mas nem tudo está sujeito a reviravoltas. Digam o que disserem os chamados pós-modernos, há uma verdade histórica que se encontra assentada. Para ficar em uma única caracterização, o comunismo e o nazi-fascismo, diferentes entre si, foram a grande árvore de desgraças do século 20. O integralismo representou um ramo tropical dessa desgraça, que felizmente não chegou ao poder. Pretender revalorizá-lo parece-me uma tarefa inglória e, mais do que isso, perniciosa. Boris Fausto, historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Conjuntura Internacional da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de 30" (Companhia das Letras). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: João Capiberibe: Impostos, transparência e cidadania Índice |
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