São Paulo, quarta-feira, 07 de setembro de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

Ajuste fiscal

Alguns economistas temem que um esforço fiscal maior, com corte de despesas sem aumento de impostos, em lugar de reduzir a relação dívida/PIB e de induzir uma redução imediata da taxa de juro real futura, possibilitando a criação de uma "curva de juro interna" (equivalente à nossa "curva de juro externa"), possa causar uma profunda recessão. Outros temem que a queda da relação dívida/ PIB, por mais importante que seja, não será suficiente para produzir uma queda da taxa de juro real. São objeções respeitáveis, feitas por profissionais competentes. Elas foram expostas no Ano 01, Volume 02, julho/agosto de 2005 de um novo magnífico boletim "Economia & Tecnologia", do Centro de Pesquisas Econômicas da Universidade Federal do Paraná, coordenado pelo professor José Luís Oreiro.
As dúvidas são sutis e sofisticadas e não podem ser descartadas definitivamente. Se (este "se" é crucial) o programa não tiver credibilidade para alterar as expectativas dos empresários, provavelmente elas seriam válidas. A hipótese subjacente à proposta é que o programa, quando crível, altera as expectativas dos agentes, e o resultado é completamente diferente, como já ocorreu em vários países. O último exemplo é o da Turquia, que veremos a seguir.
É óbvio que, como todo programa, este também tem seus riscos. Mas por que acreditarmos na sua viabilidade desde que ancorado num dispositivo transitório da Constituição? A razão básica é que o brilhante Plano Real nos ensinou pelo menos duas coisas: a primeira é que a sociedade brasileira é capaz de absorver e se comportar corretamente diante de hipóteses bastante abstratas, como foi a Unidade Real de Valor; a segunda é que o desdobramento do programa deve ser absolutamente transparente e completamente antecipado.
O caso da Turquia é típico. Depois de muitas tentativas de controlar a inflação nos anos 80, ela iniciou um programa de combate à inflação no ano 2000 apoiado na idéia da rigorosa disciplina fiscal. Esse programa levou à baixa da taxa de juros e alterou as expectativas dos investidores, o que, combinado, alterou o comportamento da dívida pública/PIB.
O gráfico abaixo mostra o comportamento do "superávit primário" e da dívida líquida/PIB.



A taxa de inflação desabou de 60% ao ano em 2000 para 7,6% ao ano em 2005. A taxa de juro real (antes a maior do mundo) anda hoje em torno de 7,5%. Como todas as moedas do mundo, a libra turca valorizou-se no último ano em relação ao dólar em 8% (o real valorizou-se 23%!). O PIB tem crescido a uma média de 7,1% nos últimos três anos (2002 a 2004). E a dívida pública, que em 2001 continha 10% de papéis prefixados, tem hoje em torno de 45%.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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