|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Lula e o STF
FÁBIO ULHOA COELHO
Lula é inteligente a ponto de saber que seu governo vai melhor nas áreas em que as falanges petistas transitam com menor desenvoltura
LULA NÃO é um líder; é um arranjo, um enorme arranjo político.
Sua aparentemente inabalável
popularidade tem o poder de aglutinar um extenso e crescente arco de
apoio dos mais variados tons. Ocupam espaço em seu governo ou na base de sustentação parlamentar mesmo aqueles que, no passado, recente
ou distante, criticaram, menosprezaram ou ridicularizaram-no. A oposição, cada vez menor, mais acuada e
desnorteada, não tem discurso. Apenas aguarda o desarranjo.
Apenas Tancredo Neves, na articulação da redemocratização brasileira,
havia conseguido juntar tanta gente
de tão diferentes perfis e fazer um arranjo de igual envergadura ao do Lula.
Mas, ao falecer antes de tomar posse, Tancredo não teve oportunidade
de mostrar que, além da inegável habilidade política, também teria liderança; isto é, capacidade de enxergar à frente de seu tempo e não só indicar
caminhos para o país percorrer como
também impulsionar o caminhar.
Este é um país de poucos líderes.
Não foi líder, por exemplo, nosso primeiro governante, dom Pedro 1º. Posava de monarca liberal, agia como absolutista. Foi dúbio até o quanto
pôde em relação à independência.
Proclamou-a, mas nunca conseguiu
convencer verdadeiramente a elite
política brasileira de que não voltaria
a reunir, sob sua coroa, o império ao
reino, se a oportunidade aparecesse.
Seu único projeto era pessoal: o poder. Talvez não tenha sido, também
ele, mais que um arranjo político.
Lula é inteligente a ponto de saber
que seu governo vai melhor nas áreas
em que as falanges petistas transitam
com menor desenvoltura. E, por isso,
blindou do assédio do PT duas áreas
sensíveis.
Uma delas é a econômica, em que
sabiamente mantém a política de
controle da inflação e garante a autonomia de fato do Banco Central.
A outra é a do preenchimento das
vagas abertas nos tribunais superiores, em especial no Supremo Tribunal
Federal.
No início do primeiro mandato, havia o fundado receio de que o Supremo pudesse ser indecorosamente politizado, em vista do grande número
de ministros que Lula teria a chance
de indicar. Afinal, podíamos confiar
em certa tranqüilidade na economia
em razão da "Carta aos Brasileiros",
mas não havia nenhum pronunciamento equivalente para a questão
institucional.
Feitas as três primeiras indicações,
essa preocupação se desanuviou. Creditou-se o acerto, naquele tempo,
muito à força do então ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que
nunca foi petista. Mas, como as indicações criteriosas continuaram, mesmo no segundo mandato, convém admitir que Lula revela ter toda a clareza de que a composição do STF é
questão de Estado, que deve sempre
transcender os interesses de qualquer governo.
Na última indicação, aliás, Lula se
afastou das indicações de seu partido
e levou ao Supremo Tribunal Federal
um jurista de tendência conservadora. Acertou uma vez mais, porque é
salutar à mais alta corte de Justiça do
país a composição com variados matizes de pensamento.
O acerto de Lula nas indicações para o STF pôde ser confirmado recentemente, na apreciação da denúncia
oferecida pelo procurador-geral da
República em razão dos fatos apurados na CPI dos Correios. A independência e o apuro técnico manifestados pelos ministros puderam ser
constatados por todos os que acompanharam as sessões pela TV Justiça,
mesmo os não-familiarizados com as
tecnicalidades do processo penal.
Claro, houve lamentável descuido
na exteriorização de certas opiniões
em espaços públicos, como são a própria sala de julgamentos da corte e os
restaurantes. Isso apenas indicou que
os mais novos ainda estão assimilando o protocolo do cargo. O episódio,
ademais, não empanou a boa impressão deixada pelo Supremo e tampouco revelou qualquer desacerto nas indicações de Lula.
O processo instaurado pelo STF
ainda vai percorrer um longo caminho. A condenação dependerá da
construção do quadro probatório e de
outras questões técnicas. Mas, desde
o recebimento da denúncia no histórico julgamento, os brasileiros podem
realisticamente antever mudanças
significativas na questão da impunidade dos corruptos.
Ao receberem a denúncia, além de
independentes e técnicos, os ministros do Supremo foram fortes; mostraram a força de que tanto necessita
o país no combate à corrupção.
FÁBIO ULHOA COELHO, advogado, doutor em direito, é
professor titular de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É autor, entre outras obras, de "Roteiro de Lógica Jurídica".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Wagner Gomes: Equívoco do parlamentar
Índice
|