São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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Editoriais

Vício da tutela


No correto objetivo de preservar direito de quem não fuma, proibições recaem em exagero e paternalismo estatal

PROIBIR , fiscalizar, multar, prender. Num país onde muitas leis valem só de vez em quando, e têm peso diferente conforme a categoria dos cidadãos, é natural o sucesso popular de algumas interdições espartanas e absolutas.
Foi o caso da chamada lei seca.
Seus exageros punitivos, amplamente reconhecidos, não impediram que obtivesse forte apoio da opinião pública.
Parece arraigar-se na sociedade brasileira a idéia de que uma lei equilibrada, atenta às nuances da vida real, termina sem ser cumprida. Desse modo, é como se uma simplificação palmar das leis suprisse as insuficiências da fiscalização.
Algo semelhante ocorre na questão do fumo em lugares públicos. A lei federal em vigor proíbe o cigarro em qualquer "recinto coletivo", exceto "em área destinada exclusivamente para esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente".
Na prática, a determinação nem sempre é respeitada. Em muitos bares e restaurantes, a demarcação da área de fumantes corresponde apenas a uma linha imaginária entre mesas contíguas, expondo a notórios riscos o freqüentador não-tabagista.
Dada essa circunstância, cogita-se de proibir de vez o fumo em lugares fechados. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PMDB), já anunciou seu empenho em aprovar proposta de lei nesse sentido. Por sua vez, o governador José Serra (PSDB) adiantou-se à esfera federal -que seria, talvez, o âmbito adequado a leis desse gênero-, encaminhando à Assembléia Legislativa projeto de conteúdo equivalente.
A tendência, de resto, é universal. Proibindo o fumo nos cafés, até Paris rendeu-se à nova moda. Nos EUA, mesmo ao ar livre os fumantes de algumas localidades podem ter problemas com a lei.
Se o direito à saúde dos não-fumantes é inquestionável, cabe ver com reservas o entusiasmo persecutório que costuma acompanhar proibições desse tipo.
Nada impede que seja prevista em lei a existência de bares e restaurantes onde o fumo é permitido, em contraponto àqueles onde vige a proibição. É o que propõe o deputado Roberto Felício (PT), em emenda ao projeto do governo estadual.
Uma vez que a segregação de áreas num mesmo local tende a funcionar mal, a diferenciação entre os próprios estabelecimentos asseguraria aos cidadãos -e também, espera-se, aos empregados de cada local- o direito de exercer livremente sua escolha nessa questão.
Na necessária proteção aos não-fumantes, é este direito que se tende a menosprezar. Paralelamente, cresce a receptividade à idéia de um Estado paternalista -capaz de em breve legislar, talvez, sobre a taxa de gorduras e açúcares adequada aos cidadãos.
Tutela estatal, com aplauso da maioria, e intolerância crescente à diversidade das atitudes individuais: eis um vício mais tentador, por vezes, do aqueles que tantos querem combater.


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