São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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BORIS FAUSTO

Balanço eleitoral

O Brasil é um dos poucos países democráticos em que o processo eleitoral ainda desperta emoções. Neste ano, a campanha começou muito cedo, interessando a um círculo amplo de pessoas mais informadas. A grande massa, que muitas vezes não tem nem sequer tempo para acompanhar os meandros da política, acabou entrando no clima nas últimas semanas. É certo que há um contingente de céticos ou de desiludidos em todas as eleições -gente que não vota em ninguém ou que passa longe dos distritos eleitorais. E sempre aparece o argumento de que, se o voto fosse facultativo, a porcentagem de votantes se aproximaria à de outros países em que a regra é essa.
De qualquer forma, o entusiasmo pelas eleições presidenciais no Brasil contrasta com a apatia eleitoral na grande maioria dos países democráticos. Segundo alguns analistas, a apatia não seria necessariamente prova de desinteresse, decorrendo da existência nesses países de um consenso básico e da inexistência de agudos problemas sociais.
A observação contém uma parcela de verdade, mas apenas uma parcela. A frieza -quando não o desinteresse- em relação às eleições nos países democráticos do Primeiro Mundo explica-se não só pelos fatores apontados como por um processo geral de despolitização. O fenômeno ocorre também no Brasil, porém em grau diverso. É frequente ouvirmos que "os políticos são todos iguais", que "só aparecem em época de eleição" etc. Mas, quando chegam as eleições -a para presidente da República em especial-, a grande maioria encara o processo eleitoral como um ato cívico, de importância decisiva para os rumos do país.
Se essa característica conta pontos para a democracia brasileira, outros aspectos da atual campanha reforçam a opinião positiva. Ressalto o clima democrático que reinou em seu transcorrer. Dentre as várias razões para isso, destaca-se o comportamento do presidente Fernando Henrique. Sua posição no curso deste ano, como primeiro magistrado da nação -veja-se o gesto simbólico de encontrar-se com os quatro principais candidatos para expor-lhes as dificuldades pelas quais passa o país-, contribuiu decisivamente para que o respeito às liberdades públicas fosse assegurado.
É claro que há muitas coisas criticáveis -há muito eleitor que se guia pela aparência dos candidatos ou junta nomes incongruentes. A redução desses traços negativos depende do avanço do nível da educação, seja em termos de mais anos de escolaridade quanto em qualidade do ensino. Seria ingênuo afirmar que padrões educacionais mais elevados garantem, por definição, a melhor qualidade do voto. Mas tendem a inibir a demagogia, as promessas inexequíveis e a crença de que a "vontade política" de um só ou de uns poucos pode mudar o país.
Nos últimos anos e na campanha atual, apesar dos tropeços, caminhamos na boa direção. Quem sabe, num futuro não muito distante, o Brasil passe de uma "democracia de votantes" -o que já não é pouco- para uma democracia de cidadãos na plena acepção da palavra.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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