|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Vendo pobrezas
e saudades
Nova York . Viajar não é somente conhecer, é também reconhecer. Há 45 anos, visitei os Estados Unidos pela primeira vez, como observador na 16ª Assembléia Geral das Nações Unidas. Era o tempo da descolonização. Caía o velho sistema dos impérios, com países explorados por outros, ricos, quase todos na Europa, os
segundos, e os primeiros na África. No
Oriente Médio, os ingleses, ganhadores da Segunda Guerra Mundial, viam
cair os seus protetorados, encharcados em bacias gigantescas de petróleo.
Testemunhei o desfile daqueles sultões de vestes barrocas e coloridas pelos corredores da ONU, com grandes
séqüitos em busca dos seus califados
perdidos. Hoje se chamam Omã,
Kuait, Iêmen, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes Unidos e são potências de
consumo, paraísos dos novos arquitetos, que ali constroem catedrais do
mundo moderno com todos os excessos que o dinheiro faz.
Era o tempo do sonho americano, o
"american dream". Ainda havia o
cheiro residual da "belle époque", já
misturado com o medo do confronto
nuclear e a vergonha das pedras do
Muro de Berlim.
Hoje, na área da inteligência americana, o sonho é outro. Criar um novo
sonho. Nenhuma nação do mundo
conseguiu realizar-se como os Estados Unidos, mas eles perderam aquele
brilho quase sobrenatural que nos fascinava com o seu estilo de vida e os
seus ideais, à frente deles, o deus da Liberdade.
Seus problemas são bem mais complexos que os nossos. Não está resolvido o problema racial, que agora une
negros, hispânicos e imigrantes, os
mais temidos deles os muçulmanos.
Há um certo cansaço com o desejo
de consumir. Betsy Taylor chegou a
falar mesmo numa nação de obesos. A
fome mata em outras partes do mundo, a comida aqui faz o mesmo, com
as doenças e a cultura do fast food.
As soluções da modernidade causam nostalgia. Todos sentem-se sufocados pela falta de tempo. O automóvel deixou de ser a aspiração primeira.
Quanto mais aumenta a oferta dele,
diminui a de ruas. Há falta de ar, há
falta de ócio.
Terreno fértil para conversa são a
Guerra do Iraque e o Katrina. A primeira por ser um beco sem saída, apenas um veículo do presidente para legitimar-se depois de uma eleição fraudada e para afirmar-se como líder. Nenhum dos pressupostos da guerra sobreviveu à mentira. Para depor um tirano como Saddam, 2.000 soldados já
morreram, bilhões e mais bilhões estão sendo gastos.
Depois, a face da miséria que o Katrina mostrou. Só agora descobriram
que 37 milhões de americanos são pobres, que 1,1 milhão de pessoas, no ano
passado, engrossaram as mazelas da
pobreza e que 28% da população de
Nova Orleans vive abaixo da linha de
pobreza. E eles não sabem como lidar
com a pobreza. Daí o desastre do governo em enfrentar a catástrofe. Os índices de renda per capita e IDH não
representam nada sem que se olhem
as desigualdades.
Faço essas evocações porque aqui
estou, entre saudades e pobrezas, vivendo a emoção de lançar o meu livro
"O Dono do Mar" em edição americana da Aliform Publishing, com tradução de Gregory Rabassa, o mesmo que
traduziu Jorge Amado, Guimarães
Rosa e García Márquez.
Mas nem tudo são espinhos. Esta é
ainda a terra da liberdade, dos direitos
humanos e da busca da felicidade, que
permanece desde os tempos de Jefferson.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: O sol (quadrado) nasce para todos Próximo Texto: Frases
Índice
|