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TENDÊNCIAS/DEBATES
Direito à crítica e à oposição
ROBERTO ROMANO
Claude Lefort não aprecia a frase inglesa "right or wrong, it is my
country" (certo ou errado, é o meu
país). O enunciado, de fato, indica o limite cerebral dos energúmenos.
Ele obnubila o pensamento filosófico,
os versos de Milton e a poesia metafísica, o teatro de Shakespeare e o de Marlowe, formas que honram a Inglaterra, o
país da inteligência aguda (o famoso
"wit"). Após o desagrado em face do patriotismo de fancaria, Lefort volta-se
contra a idéia do partido infalível. Diz-se surpreso ao notar que Leon Trótski
invocou termos semelhantes aos do ditado inglês para se referir à sua agremiação política.
"Curiosamente e de modo significativo, no momento culminante de seu
conflito com Stálin e de sua capitulação
(temporária, é verdade), ele diz que o
partido, com razão ou errado, estava
acima de tudo. O nacionalismo, como o
comunismo, corre o risco de precipitar
o pensamento num abismo" ("Temps
Modernes", "Nation et Souveraineté").
Na política existem inúmeros abismos
do pensamento, como ocorre nas traições dos intelectuais. Algumas delas
renderam fama e dinheiro, além de poder, aos que outrora pavoneavam razão,
ética, moral na vida pública. Outras jogaram os espertos na merecida insignificância. A máquina de moer convicções é impiedosa. Todo novo governo
estraçalha antigos valores.
Recordo a lucidez de Jean Kott, pensador do teatro, quando escreve sobre as
sucessões principescas em Shakespeare.
Nelas sempre surge, na ação da grande
máquina do Estado, "um raio de consciência". Enquanto a maioria está condenada à comédia que mistura "os mecanismos do coração humano e o mecanismo do mando, a entoação da voz, o
medo, a lisonja", alguns cérebros percebem o que se passa e são condenados à
cumplicidade ou à denúncia. E surge a
tragédia.
É o caso de Trótski. Após hesitar por
instantes, ele nota o que está em jogo e
resiste ao poder de um assassino vulgar
promovido a proprietário do império
soviético. O fim da tragédia é conhecido: campos de concentração onde milhões foram postos nos braços da morte
e o assassinato do líder que não aceitou
o papel de palhaço da corte.
O partido sempre tem razão. O poderoso, instalado nos palácios, sempre está certo. É desagradável o indivíduo que
não dobra a espinha e não canta louvaminhas aos novos príncipes. Assim afirma a didascália tirânica. Muitos, que na
juventude foram trotskistas e agora estão em ministérios, entoam o cântico
"realista". O adesismo tem causas, entre
elas o medo. Na ditadura militar, o mote
"eu preciso sobreviver, entende?". Os silêncios, aprovações, justificativas serviram para instalar o terror das torturas,
das censuras, das intimidações contra
juízes e advogados. Eram proibidos o
pensamento crítico e a oposição política. Arrogantes, os militares deixaram os
palácios rumo às casernas.
No regime civil continuou o veto ao
pensamento autônomo. No longo período Sarney, a oposição liderada pelo
PT foi posta no ridículo e perseguida.
O dinheiro não é o nervo principal da política. Entendam, se ainda tiverem os neurônios
em ordem
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Lembro-me de muitos debates com
intelectuais que na época pertenciam ao
PMDB e hoje lambuzam as botas do governo. Eles afirmavam que os petistas
eram xiitas, fanáticos moralistas. Durante os governos Collor e FHC, a mesma violência contra os críticos orientou
as falas e os atos dos poderosos e de seus
chaleiras. Alguns acadêmicos julgavam
correto e indiscutível o costume que autoriza o governo a distribuir recursos
em primeiro lugar para os apoiadores,
sem outros considerandos de interesse
público. O maquiavelismo nanico é
uma das faces dos intelectuais bajuladores.
Hoje, uma parte do governo impõe
obediência aos seus fins e tenta o enquadramento dos críticos, a perseguição
dos oponentes, as ameaças de censura
ou cooptação diante da imprensa. A
maioria dos intelectuais permanece silente. O pronunciamento do publisher
da Folha, Octavio Frias, sua denúncia
sobre o cerco aos meios de comunicação, deve ser discutido por todos os que
têm responsabilidade no Brasil.
Outro dia, ao ser entrevistado, ouvi
por várias vezes de competente jornalista a frase: "quase toda a imprensa, salvo
a Folha, atenua neste instante as críticas
ao governo". Os motivos são óbvios e de
conhecimento público. Se o partidarismo e o nacionalismo irrefletidos são
péssimos, pior é a farsa dos que apóiam
políticas tirânicas para salvar a conta
bancária. Se existe necessidade de financiar a mídia pelo governo, que isso
se faça à luz do dia, sem contrapartidas
políticas ou ideológicas.
Não, amigos petistas que se imaginam
maquiavéis, essa proposta não é angélica. Ela é cerne da ética.
Como na guerra, o dinheiro não é o
nervo principal da política. Entendam,
se ainda tiverem os neurônios em ordem.
Roberto Romano, 57, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp e autor de
"Moral e Ciência - a Monstruosidade no Século XVIII" (ed. Senac/São Paulo), entre outras obras.
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