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TENDÊNCIAS/DEBATES
É hostil ao cristianismo a decisão da Corte Europeia que condenou crucifixo em escolas italianas?
SIM
A ditadura do laicismo
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
UMA ÚNICA senhora -que, certamente, no dia de comemoração do nascimento de Cristo,
ofertará a seus filhos e familiares presentes natalinos- e a Corte Europeia
de Direitos Humanos, constituída de
juízes não italianos -e que também,
em homenagem ao Natal, não funcionará no dia 25 de dezembro-, impuseram à nação italiana, berço do cristianismo universal, contra a opinião
de dezenas de milhões de pessoas que
lá vivem, a retirada dos crucifixos de
suas escolas públicas.
Os próprios juízes daquela corte,
que decidiram contra a presença dos
crucifixos -símbolo integrante da
cultura da esmagadora maioria dos
cidadãos italianos-, certamente também festejarão as festas natalinas,
presentearão familiares e amigos e
comemorarão a data de confraternização mundial por excelência, talvez
a mais importante para a difusão da
paz e da fraternidade entre os povos.
A contradição hipócrita entre a eliminação dos crucifixos e a comemoração do Natal -signos que lembram
a morte e o nascimento de Jesus Cristo- é evidente, demonstrando a falta
de razoabilidade da decisão da Corte
Europeia de Direitos Humanos, por
impor aos italianos a vontade de uma
única pessoa.
Não cogitou, entretanto, de instituir a proibição dos feriados natalinos
a todos os países da Europa.
Esse e outros episódios que vão se
multiplicando pelo mundo estão a
atestar que os valores do cristianismo
incomodam, hoje, como incomodaram, nos primeiros 300 anos, os detentores do poder no Império Romano, cujo padrão de comportamento
moral não serviria de lição para nenhuma escola de governantes.
Para o referido órgão decisório,
acostumado a condenar todos aqueles que, na sua preconceituosa visão
laicista, ferem seu conceito amesquinhado de dignidade humana, realmente a figura do crucifixo deve perturbar, pois, como julgador, Cristo, na
cruz, não só absolveu todos os que o
condenaram mas também aquele criminoso (Dimas) que com ele foi crucificado. E, para essa corte, acostumada a condenar, a figura de um juiz que
absolve é perturbadora, como lembra
Américo Lacombe.
O certo é que há uma minoria, com
forte influência política, que busca
solapar os valores éticos e culturais
do cristianismo a título de impor a ditadura do ateísmo, segundo a qual,
num Estado laico, apenas os que não
têm religião podem se manifestar,
impor as suas regras e exigir que todos os que acreditam em Deus se submetam à tirania agnóstica.
A decisão, por outro lado, fere um
princípio fundamental, o da subsidiariedade no direito europeu, pelo qual
todas as questões que podem ser decididas de acordo com a tradição, os
costumes e a legislação locais não devem ser levadas às cortes da comunidade, pois dizem respeito exclusivamente ao direito interno de cada país.
Bem por isso a decisão referida está
recebendo fortes críticas, correndo
sérios riscos de não ser cumprida em
um país no qual até mesmo leis que
contrariam seus costumes são de difícil cumprimento.
No Brasil, o Conselho Nacional de
Justiça, em resolução tomada por 12
votos e uma abstenção, deliberou que,
nos tribunais, caberá a cada magistrado decidir, de acordo com suas convicções, a manutenção ou não do crucifixo na sala de julgamentos. E uma
tentativa do Ministério Público de retirar os crucifixos desses recintos foi
rejeitada pelo Poder Judiciário.
Se a Turquia vier a ingressar na
União Europeia -já estando avançadas as tratativas nesse sentido-, certamente a Corte Europeia não terá
coragem de proibir, diante de possíveis reações "talebanísticas", os símbolos da cultura e da crença islâmica
nas sessões de julgamento.
Os valores do cristianismo sempre
incomodaram. Embora sem a virulência dos tempos dos mártires do coliseu, a reação dos que querem impor
sua maneira de ser é a mesma.
Trata-se de uma visão deturpada do
Estado laico. Este não é um Estado
sem Deus, mas um Estado em que a liberdade de pensar é plena e não pode
reputar-se ameaçada pelo respeito às
tradições do povo e do país. Numa democracia, é a maioria que deve decidir os seus destinos. E a maioria acredita em Deus.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 74, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior
de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da
Fecomercio.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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