São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Patentes, pirataria e servilismo ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Na década de 1970, os EUA, com o auxílio de alguns países europeus, patrocinaram uma violenta campanha mundial em favor da adoção, pelos países em desenvolvimento, de legislações patentárias que incluíssem medicamentos e alimentos que, até então, por serem itens considerados essenciais para a sobrevivência, eram excluídos. Vamos, pois, rever os argumentos utilizados a favor da adoção de uma legislação patentária. Esses derivam de três vertentes principais: 1) O inventor deve ser recompensado de seu esforço e talento; 2) A criação de um monopólio, uma reserva de mercado, promove investimentos e, portanto, a produção de bens; 3) A existência de legislação patentária é um estímulo à inovação. A ideia de retribuição apela aos nossos sentimentos românticos, pois ainda retemos em nossa memória a imagem do inventor solitário, cabelos longos, olhos esbugalhados, ligeiramente doidivanas, porém inofensivo. Mas essa é uma espécie extinta. O proprietário da patente é hoje uma grande corporação ou instituição, pois o benefício é para quem paga o salário do inventor. Os EUA, seguindo o exemplo dos países europeus, mudaram recentemente sua legislação sobre propriedade intelectual de maneira drástica e desconcertante. A patente passa a ser concedida a quem pedir o registro, e não a quem inventa, ou descobre, ou desenvolve o produto. Com isso se consagra, pelo menos do ponto de vista dos EUA, o conceito de que a patente é unicamente um mecanismo de estímulo à produção. E não é mais estímulo à inovação nem retribuição. Cai por terra qualquer conceito de justiça, de moral, de direito. Com que cara vão ficar os apoucados que chamaram de "pirataria" a defesa de interesses nacionais diante dos excessos contidos na legislação patentária imposta ao Brasil pelos EUA (ditada em Washington pelo Departamento de Comércio daquele país a dois eméritos ministros brasileiros durante o governo Collor). Nessa nova forma, o princípio pragmático que orienta a legislação patentária americana é mais um incentivo à espionagem industrial do que à inovação. E não há dúvidas de que logo será seguido o exemplo dos EUA pelos países que ainda insistem na fórmula que diz que o privilégio é de quem inventa. Ora, se o registro de uma patente serve apenas ao interesse do Estado em promover a produção de um bem pela concessão de reserva de mercado, então essa concessão deve ser avaliada caso a caso. Deve deixar de ser um direito do proponente, a quem atualmente basta seguir certas regras burocráticas. E seria, pois, desejável que incluísse uma planilha de custos para que preços possam ser estabelecidos, sem que haja prejuízos para o cidadão. Como também deve a duração do monopólio ser negociada. Não devemos esquecer o que foi verificado pela Comissão Churchill do Senado americano, ou seja, que 95% dos registros de patentes no México, Brasil e Argentina serviam para impedir e produção, não para incentivá-la. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 80, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron), membro do Conselho de Ciência e Tecnologia da República e do Conselho Editorial da Folha. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Simon Schwartzman: O teto de vidro da educação brasileira Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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