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TENDÊNCIAS/DEBATES
O novo governo deve liberar os transgênicos?
SIM
A Europa e os transgênicos
ROBERTO FREIRE
Uma pequena nota publicada na
Folha na semana passada encheu-me de preocupação: a de que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva,
assumira compromisso com organizações não governamentais de que manteria as dificuldades legais em relação
aos produtos geneticamente modificados, particularmente na agricultura.
Consciente da grandeza do Brasil e de
seu desenvolvimento tecnológico e da
complexa sociedade que temos, sinceramente não acredito na veracidade da
informação, tendo em vista que uma
decisão desse tipo se converteria em desastre inominável em nosso futuro. Entretanto, quando visualizamos ainda
uma parte expressiva do PT defendendo tais desatinos, simbolizada pelo atual
governo do Rio Grande do Sul, um simples sinal de fumaça pode virar um
grande incêndio, danoso e que deve ser
exorcizado de qualquer maneira.
Tanto na tribuna do Senado quanto
por intervenções públicas, na mídia e
fora dela, sempre defendi os avanços da
ciência, a pesquisa e a inovação tecnológica, incluindo as conquistas na área de
biotecnologia. Não por acreditar no determinismo científico, mas por entender que a civilização chegou até os nossos dias -superando dramas relacionados à saúde, ao ambiente e à própria
reprodução humana- ajudada firmemente pelas mãos do conhecimento. Se
ele gerou em suas dobras descalabros,
distorções e tragédias pelas mãos da política e por um certo mecanicismo econômico -as bombas usadas contra povos são uma delas e a destruição de bens
ambientais, outra-, propiciou muito
mais soluções e continuará a fazê-lo.
Com a afirmação crescente do humanismo e da democracia, o resultado da
ciência estará vinculado de forma crescente ao benefício, e não a possíveis desvios maléficos.
Deixemos de lado aspectos filosóficos,
da razão iluminista, da crítica ao obscurantismo que antes queimava livros e
agora se empenha em queimar lavouras
de transgênicos, adentremos a realidade do mundo. E esta é uma só: o fundamentalismo bobo está ficando para trás,
o conhecimento mais uma vez triunfa
frente à ignorância.
O Parlamento Europeu, com base em
relatório da deputada portuguesa Elisa
Maria Damião, acaba de aprovar, por
ampla maioria, a orientação de que todos os países-membros devem encarar
a emergência dos transgênicos por outro prisma, mais positivo e promissor,
sem abandonar a prudência do controle
social e científico deles. E essa posição é
paradigmática, pois a moratória decretada na Europa em relação ao assunto,
que colocava o continente em completo
desalinhamento a países como os EUA,
encerra-se em 2003. Ou seja, os europeus compreenderam que, ou entram
no páreo da corrida para dominar a pesquisa dos transgênicos, ou ficarão a ver
navios, como o velho do Restelo, com
graves repercussões em suas economias
e sociedades.
Se não bastassem preocupações de ordem alimentar, de saúde e de produtividade em tantas áreas, eles querem evitar
outro drama presumível se mantida a
atitude atrasada anterior: a fuga de cérebros. E, em um mundo globalizado,
quem não se prepara para manter no
interior de suas culturas e economias o
que há de melhor do conhecimento terá
de se contentar com o passado e com o
tradicional.
A orientação do Parlamento Europeu
vai além. Quer o tema mais bem tratado
nas escolas, a ampliação do ensino de
biologia, principalmente em relação à
genômica e à microbiologia. Acentua,
corretamente, que os produtos transgênicos por si só não eliminarão a fome,
embora possam concorrer para isso à
medida que se insiram em uma concepção muito maior de distribuição de renda e de alimentos em todo o mundo.
Mais, os transgênicos, em suas várias
modalidades, podem, inclusive, se converter em peça importante na defesa e
na recuperação do próprio ambiente.
Não podemos -e Lula também não
pode, ainda mais agora na condição de
presidente da República- analisar os
transgênicos pelo prisma ideológico.
Por exemplo, se quisermos resolver o
problema da grave falta conjuntural de
milho no país, da ordem de 3 milhões de
toneladas, só temos duas saídas, parece,
possíveis: EUA e Argentina. E o produto
disponível é todo geneticamente modificado.
A esquerda moderna reclama a tradição de Mendel. Os seguidores de Trofim
Lysenko não têm passagem entre nós,
para desespero da direita que gostaria
que assim fosse.
Roberto Freire, 60, é senador pelo PPS de Pernambuco e presidente nacional do partido
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