São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O novo governo deve liberar os transgênicos?

SIM

A Europa e os transgênicos

ROBERTO FREIRE

Uma pequena nota publicada na Folha na semana passada encheu-me de preocupação: a de que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, assumira compromisso com organizações não governamentais de que manteria as dificuldades legais em relação aos produtos geneticamente modificados, particularmente na agricultura.
Consciente da grandeza do Brasil e de seu desenvolvimento tecnológico e da complexa sociedade que temos, sinceramente não acredito na veracidade da informação, tendo em vista que uma decisão desse tipo se converteria em desastre inominável em nosso futuro. Entretanto, quando visualizamos ainda uma parte expressiva do PT defendendo tais desatinos, simbolizada pelo atual governo do Rio Grande do Sul, um simples sinal de fumaça pode virar um grande incêndio, danoso e que deve ser exorcizado de qualquer maneira.
Tanto na tribuna do Senado quanto por intervenções públicas, na mídia e fora dela, sempre defendi os avanços da ciência, a pesquisa e a inovação tecnológica, incluindo as conquistas na área de biotecnologia. Não por acreditar no determinismo científico, mas por entender que a civilização chegou até os nossos dias -superando dramas relacionados à saúde, ao ambiente e à própria reprodução humana- ajudada firmemente pelas mãos do conhecimento. Se ele gerou em suas dobras descalabros, distorções e tragédias pelas mãos da política e por um certo mecanicismo econômico -as bombas usadas contra povos são uma delas e a destruição de bens ambientais, outra-, propiciou muito mais soluções e continuará a fazê-lo. Com a afirmação crescente do humanismo e da democracia, o resultado da ciência estará vinculado de forma crescente ao benefício, e não a possíveis desvios maléficos.
Deixemos de lado aspectos filosóficos, da razão iluminista, da crítica ao obscurantismo que antes queimava livros e agora se empenha em queimar lavouras de transgênicos, adentremos a realidade do mundo. E esta é uma só: o fundamentalismo bobo está ficando para trás, o conhecimento mais uma vez triunfa frente à ignorância.
O Parlamento Europeu, com base em relatório da deputada portuguesa Elisa Maria Damião, acaba de aprovar, por ampla maioria, a orientação de que todos os países-membros devem encarar a emergência dos transgênicos por outro prisma, mais positivo e promissor, sem abandonar a prudência do controle social e científico deles. E essa posição é paradigmática, pois a moratória decretada na Europa em relação ao assunto, que colocava o continente em completo desalinhamento a países como os EUA, encerra-se em 2003. Ou seja, os europeus compreenderam que, ou entram no páreo da corrida para dominar a pesquisa dos transgênicos, ou ficarão a ver navios, como o velho do Restelo, com graves repercussões em suas economias e sociedades.
Se não bastassem preocupações de ordem alimentar, de saúde e de produtividade em tantas áreas, eles querem evitar outro drama presumível se mantida a atitude atrasada anterior: a fuga de cérebros. E, em um mundo globalizado, quem não se prepara para manter no interior de suas culturas e economias o que há de melhor do conhecimento terá de se contentar com o passado e com o tradicional.
A orientação do Parlamento Europeu vai além. Quer o tema mais bem tratado nas escolas, a ampliação do ensino de biologia, principalmente em relação à genômica e à microbiologia. Acentua, corretamente, que os produtos transgênicos por si só não eliminarão a fome, embora possam concorrer para isso à medida que se insiram em uma concepção muito maior de distribuição de renda e de alimentos em todo o mundo. Mais, os transgênicos, em suas várias modalidades, podem, inclusive, se converter em peça importante na defesa e na recuperação do próprio ambiente.
Não podemos -e Lula também não pode, ainda mais agora na condição de presidente da República- analisar os transgênicos pelo prisma ideológico. Por exemplo, se quisermos resolver o problema da grave falta conjuntural de milho no país, da ordem de 3 milhões de toneladas, só temos duas saídas, parece, possíveis: EUA e Argentina. E o produto disponível é todo geneticamente modificado.
A esquerda moderna reclama a tradição de Mendel. Os seguidores de Trofim Lysenko não têm passagem entre nós, para desespero da direita que gostaria que assim fosse.


Roberto Freire, 60, é senador pelo PPS de Pernambuco e presidente nacional do partido


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