São Paulo, sábado, 08 de janeiro de 2011

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Terra dividida

Referendo no sul do Sudão deve criar 193º país do mundo, com péssimos indicadores sociais e muitos desafios para a comunidade internacional

Partições de Estados são quase sempre violentas e traumáticas: a da Índia, em 1947, deixou meio milhão de mortos e uma tensão que nas décadas seguintes se aproximou de um conflito nuclear com a parte secionada, o Paquistão; a da Iugoslávia, nos anos 1990, deflagrou uma escalada de confrontos que culminou nas piores atrocidades em solo europeu desde o fim da Segunda Guerra.
Amanhã, um referendo no sul do Sudão deve aprovar a divisão do maior país da África e criar a 193ª nação do mundo, lançando na incerteza uma região onde as guerras são tão endêmicas quanto a fome. Há vários desfechos possíveis -e quase todos sombrios.
A votação de domingo é consequência do acordo de paz de 2005, que encerrou uma guerra civil iniciada em 1983, com saldo de 2 milhões de mortos -grande parte de civis do sul. O conflito opôs a região norte, majoritariamente árabe e muçulmana, à meridional, negra, com seguidores do cristianismo e de crenças africanas.
Espera-se que a população sulista vote em peso pela independência, para se ver livre do que considera o tratamento injusto e discriminatório dispensado por Cartum, que originou o conflito.
O primeiro ponto por esclarecer é como será feita a divisão do petróleo, única riqueza do país. A maior parte dos estimados 6,7 bilhões de barris de reservas (o Brasil, contado o pré-sal, tem cerca de 22 bilhões) está no sul separatista, e ninguém sabe como será equacionada a questão.
Desde o acordo de paz, cada região fica com metade do que é produzido, mas não há plano acertado para o futuro. O sul terá de negociar com o norte, por onde passam os oleodutos, com vistas a uma divisão aceitável dos lucros.
Existe ainda o risco de conflitos internos no futuro país, onde há dezenas de grupos étnicos. O problema inerente à maioria dos países africanos é, nesse caso, agravado pela pobreza extrema.
Nem todos os sinais são negativos. O ditador Omar Bashir tem dado indicações de que acatará o resultado das urnas. Até porque tem outras situações preocupantes a enfrentar, como a volta da violência em Darfur, no oeste, onde seu governo é acusado de ter cometido genocídio que deixou 300 mil mortos. Por crimes contra a humanidade, o Tribunal Penal Internacional pediu sua prisão.
Ainda que nenhum dos maiores riscos se materialize, os desafios são enormes. A comunidade internacional precisa assegurar uma votação limpa num continente onde isso ainda é raridade, garantir a segurança após o resultado e fornecer auxílio para a implementação de instituições básicas. A alternativa é o nascimento de um Estado fracassado no coração da África, terreno fértil para o terror.


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