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Terra dividida
Referendo no sul do Sudão deve criar 193º país do mundo, com péssimos indicadores sociais e muitos desafios para a comunidade internacional
Partições de Estados são quase
sempre violentas e traumáticas: a
da Índia, em 1947, deixou meio
milhão de mortos e uma tensão
que nas décadas seguintes se
aproximou de um conflito nuclear
com a parte secionada, o Paquistão; a da Iugoslávia, nos anos
1990, deflagrou uma escalada de
confrontos que culminou nas piores atrocidades em solo europeu
desde o fim da Segunda Guerra.
Amanhã, um referendo no sul
do Sudão deve aprovar a divisão
do maior país da África e criar a
193ª nação do mundo, lançando
na incerteza uma região onde as
guerras são tão endêmicas quanto
a fome. Há vários desfechos possíveis -e quase todos sombrios.
A votação de domingo é consequência do acordo de paz de 2005,
que encerrou uma guerra civil iniciada em 1983, com saldo de 2 milhões de mortos -grande parte de
civis do sul. O conflito opôs a região norte, majoritariamente árabe e muçulmana, à meridional,
negra, com seguidores do cristianismo e de crenças africanas.
Espera-se que a população sulista vote em peso pela independência, para se ver livre do que
considera o tratamento injusto e
discriminatório dispensado por
Cartum, que originou o conflito.
O primeiro ponto por esclarecer
é como será feita a divisão do petróleo, única riqueza do país. A
maior parte dos estimados 6,7 bilhões de barris de reservas (o Brasil, contado o pré-sal, tem cerca de
22 bilhões) está no sul separatista,
e ninguém sabe como será equacionada a questão.
Desde o acordo de paz, cada região fica com metade do que é produzido, mas não há plano acertado para o futuro. O sul terá de negociar com o norte, por onde passam os oleodutos, com vistas a
uma divisão aceitável dos lucros.
Existe ainda o risco de conflitos
internos no futuro país, onde há
dezenas de grupos étnicos. O problema inerente à maioria dos países africanos é, nesse caso, agravado pela pobreza extrema.
Nem todos os sinais são negativos. O ditador Omar Bashir tem
dado indicações de que acatará o
resultado das urnas. Até porque
tem outras situações preocupantes a enfrentar, como a volta da
violência em Darfur, no oeste, onde seu governo é acusado de ter
cometido genocídio que deixou
300 mil mortos. Por crimes contra
a humanidade, o Tribunal Penal
Internacional pediu sua prisão.
Ainda que nenhum dos maiores
riscos se materialize, os desafios
são enormes. A comunidade internacional precisa assegurar uma
votação limpa num continente onde isso ainda é raridade, garantir a
segurança após o resultado e fornecer auxílio para a implementação de instituições básicas. A alternativa é o nascimento de um Estado fracassado no coração da
África, terreno fértil para o terror.
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