São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

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O EFEITO "MARTAXA"

Reportagem publicada por esta Folha no domingo colheu de lideranças petistas a informação de que o governo teme uma espécie de versão federal do "efeito Martaxa" -ou seja, a repetição em escala nacional, nas eleições de 2006, de um sentimento contrário à elevação de tributos que, em São Paulo, se cristalizou em torno das taxas instituídas pela ex-prefeita Marta Suplicy.
Tem razão o governo em preocupar-se, mesmo porque a rejeição da sociedade a seguidos aumentos de impostos e da carga tributária já não é apenas uma perspectiva -mas um fato. Foi o que demonstraram com clareza as reações à famigerada medida provisória 232. Editada à socapa, no final do ano passado, com o intuito de recompensar o governo de perdas geradas por mudanças no Imposto de Renda, a MP, sem anúncio ou debate prévio, agravou a tributação dos prestadores de serviço. O repúdio foi inequívoco, e obrigou o governo a adiar a entrada em vigor da legislação -já sabendo que são praticamente nulas as chances de que ela seja referendada pelo Congresso.
Nos últimos anos, a carga tributária, que representa a relação entre os impostos e o PIB, vem subindo no Brasil em ritmo praticamente ininterrupto, tendo saltado de 24,4%, em 1991, para um patamar que se aproxima hoje de 36%. Embora o governo procure atribuir o aumento de arrecadação verificado em 2004 aos efeitos do aquecimento da economia, o esforço retórico não consegue contrastar as evidências de que, paralelamente a esse processo, verifica-se um acréscimo, de fato, da tributação.
Os aumentos da carga tributária no país estão associados às crescentes restrições fiscais do Estado num quadro de exacerbado endividamento público e elevação de despesas. Nos últimos anos, diversos pacotes fiscais foram anunciados pela União com vistas a promover o ajuste de suas contas, sob monitoramento do Fundo Monetário Internacional. Tratava-se de um duplo movimento: criar condições de curto prazo para que o país pudesse defender diante dos mercados internacionais sua capacidade de honrar compromissos e, ao mesmo tempo, estabelecer mecanismos capazes de assegurar no longo prazo um mínimo de disciplina financeira -o que deu origem à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diversos artifícios surgiram ao longo desses anos para aumentar os recursos governamentais. O mais notável deles foram as chamadas "contribuições", que, com estatuto diferente dos impostos, não estão subordinadas às regras que determinam o compartilhamento de receitas da União com os Estados.
Todo esse processo gerou uma série de distorções, tornando mais confuso e irracional -se isso ainda era possível- o sistema tributário em vigor. O governo petista chegou ao poder quando a margem para novas elevações de impostos se mostrava tão exígua quanto a disposição dos contribuintes para aceitá-las.
Lamentavelmente, a nova administração perdeu a oportunidade, no início do mandato, de aprovar no Legislativo uma reformulação ampla e profunda do sistema tributário. Não se discutem as dificuldades para fazê-lo, mas é forçoso reconhecer que não há outra saída razoável. A alternativa é insistir em expedientes e casuísmos tributários sob o risco, a essa altura considerável, de a impaciência da sociedade transformar-se em movimento de desobediência civil contra o pagamento de impostos.

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