São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Absenteísmo

MARIA ELIZABETH MALAGOLI

As mudanças econômicas em curso no mercado globalizado, a flexibilização, os desenvolvimentos revolucionários na tecnologia da comunicação e da informação, assim como mudanças nas estruturas familiares, têm exercido uma influência significativa na organização social do trabalho e nas expectativas para com os trabalhadores.
O sucesso econômico de uma empresa e a sua capacidade para concorrer depende basicamente do conhecimento, da capacitação e da motivação dos seus trabalhadores. Trabalhadores sadios, qualificados e motivados, que se identificam com suas tarefas e com a empresa, tornam-se fatores chaves na concorrência globalizada. Assim, a ausência ao trabalho, a incapacidade temporária causada por doenças é um importante indicador para a carga econômica das empresas.
Vários motivos podem levar à falta ao trabalho, mas a ausência por motivos relacionados à própria saúde é a principal causa. E isso pode resultar em altos custos tanto para a empresa como para a economia de um país. O absenteísmo é um dos principais obstáculos para a produtividade, a lucratividade e a competitividade de uma empresa. Ele gera horas-extras, atrasos nos prazos, clientes descontentes e declínio na moral de trabalho dos colegas que têm que cobrir o colega ausente, interferindo de forma significativa na qualidade do produto ou do serviço.
Por esses motivos, considera-se que o custo indireto seja bem superior ao custo direto. Levantamentos realizados na França e no Reino Unido em 2003 e em 2004 revelaram que as empresas que atuam no sistema "just in time" são as que registraram maiores perdas.
Em 2001, o absenteísmo por doença resultou em uma perda direta de produção de 44,76 bilhões de euros para a economia da Alemanha, equivalente a aproximadamente R$ 158 bilhões. Resultado quase semelhante ao constatado em 2002. As doenças do sistema osteomuscular foram responsáveis por uma perda de produtividade de 12,10 bilhões de euros, e as doenças do sistema respiratório, por perda de 6,18 bilhões de euros naquele país.
Já no Reino Unido, no ano de 2001, o absenteísmo por doença, segundo a Confederação da Indústria Britânica, resultou em uma perda direta de produção no valor de 11 bilhões de libras esterlinas, equivalente a mais ou menos R$ 56 bilhões. Esse valor é questionado e pode até triplicar, totalizando 34 bilhões de libras esterlinas.


A ausência ao trabalho é um importante indicador para a carga econômica das empresas
Levantamento efetuado pela Agência Européia de Segurança e Saúde no Trabalho estimou que os custos gerados pelo absenteísmo (de curta e de longa duração) no final dos anos 90 ficou entre 1% e 5 % do PIB dos países membros. Enquanto na Alemanha o absenteísmo de curta duração é responsável por aproximadamente 35% do total, no Reino Unido o percentual chega a 80%.
As legislações e definições são diferentes nos diferentes países. No Brasil, entende-se por absenteísmo de curta duração a ausência do trabalho por até 15 dias.
A informatização do sistema de saúde permitiu a esses países não só computar a ausência ao trabalho e suas diferentes implicações mas também comparar o nível de ausência nos diferentes setores da economia, conforme o porte da empresa, a correlação da atividade exercida pelo trabalhador e as patologias encontradas, a correlação do gênero e da idade e determinadas morbidades. Esses dados permitiram a formulação de diferentes programas de gerenciamento de saúde. O objetivo principal é a prevenção das doenças e a diminuição da carga financeira para as empresas e para as assistências médicas. Algumas companhias conseguiram uma diminuição significativa de seus índices de absenteísmo, chegando a uma redução de 20% a 45%, como, por exemplo, na General Eletric, Dupont e outras. Análises de custo-benefício demonstraram que, para cada US$ 1,00 investido nos programas adotados, economizaram-se aproximadamente US$ 5,00.
Para esses países, considera-se hoje que alcançaram um índice de absenteísmo "aceitável" (na Alemanha, em 2002, de 4%; no Reino Unido, em 2002, de 3,9%; e nos EUA, em 2000, de 3,8%) se comparados aos índices de anos anteriores. Os índices internacionais giram em torno de 5% (Holanda) e 2,5% (Hong Kong), sendo a permissividade das relações de trabalho nos diferentes países o fator preponderante nas diferenças encontradas.
Embora os índices de absenteísmo apresentem declínio considerável nos últimos 20 anos, inicia-se uma crescente participação das doenças psíquicas. Segundo estudos, esse fato pode estar relacionado com as mudanças econômicas acontecidas nos últimos anos em decorrência da globalização (maior pressão no trabalho, aumento do nível de estresse, medo do desemprego, entre outros).
No Brasil, só 7% das instituições de saúde possuem um nível satisfatório de informatização (segundo dados da Opas), o que impossibilita conhecer a real situação do absenteísmo, inviabilizando a criação de programas preventivos que atendam à real demanda da população. Outro fato relevante neste contexto é o estudo publicado pela Organização Pan-Americana de Saúde, que estima que mais de 70% das empresas apresentam condições ergonômicas desfavoráveis para as tarefas solicitadas, sugerindo que a correlação do índice de absenteísmo por doenças relacionadas à atividade pode ser bem superior ao estimado pela OIT, de 30%.
Inexistem levantamentos sobre os custos gerados pelo absenteísmo no país, indicador este de extrema relevância para subsidiar a fundamentação necessária para aplicação de recursos voltados para a saúde dentro das empresas. A despeito de raríssimas exceções (algumas grandes multinacionais), as empresas brasileiras, por diferentes motivos, não gerenciam estas questões; lamentando-se por vezes de seus "altos" números de atestados médicos, sugerindo ou um mau uso por parte do funcionário ou uma certa benevolência médica.
Maria Elizabeth Malagoli, 49, médica, é especialista em medicina do trabalho.

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