São Paulo, sexta-feira, 08 de março de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Uma mulher na Presidência
ROSE MARIE MURARO
Nos EUA, diz-se que os homens fazem bandos, as mulheres criam redes. E as empresas geridas por mulheres cresceram, nos anos 90, três vezes mais que as dirigidas por homens. Espera-se, neste país, na primeira década deste século, uma mulher na Presidência da República, pois já há suficiente massa crítica de qualificações para que isso aconteça. No Brasil ainda não é assim. Corre-se o risco de uma mulher, se eleita, ficar refém do antigo sistema competitivo. No entanto já presenciei alguns projetos pontuais que podem dar um pálido exemplo do que seria um Estado governado por uma mulher. No nível federal, por exemplo, acompanhei, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, a trajetória das mulheres. Primeiro, conseguiram cota de 30% das decisões ministeriais. Depois, persuadiram os técnicos (inclusive os de ponta) a colocar os lotes de terra em nome das mulheres com filhos, o que foi sancionado pelo ministro em 8/3/01. Isso porque pesquisas demonstraram que os homens tendem a se endividar e vender os lotes a qualquer preço (em geral para o latifundiário), aumentando portanto o latifúndio e inchando as favelas das grandes cidades, ao passo que as mulheres tendem a se fixar no campo, o que desincha as favelas, aumenta a safra de grãos e torna mais barata a comida. Ora, isso muda a própria estrutura da reforma agrária, tornando-a mais sólida e enraizada. No Ministério da Educação, outro exemplo, se se conseguir dar um enfoque de gênero aos livros didáticos (e já existem tentativas nesse sentido), a relação entre homens e mulheres nas novas gerações muda e, com isso, o homem deixa de ser o opressor e a mulher a oprimida. Assim, uma incrível transformação silenciosa vai se processando na própria cadeia das gerações, o que em médio prazo pode mudar até a estrutura do Estado e do sistema econômico. E assim por diante. No nível estadual, vi uma secretária de governo na área econômica começar a organizar os trabalhadores informais, em vez de conceder benefícios fiscais às grandes empresas para que se instalassem lá. Outra mulher ainda, encarregada do almoxarifado estadual, não liberava para os dirigentes material luxuoso, mas o absolutamente necessário. Se isso fosse generalizado, mudaria também a própria estrutura do consumo. E vi inúmeros outros casos. Quanto ao poder central, essa mudança ainda está adiada, pois, como venho dizendo, todos os governos masculinos privatizam em seu favor os recursos e o poder públicos. Se não fizerem isso, não se mantêm. Isso sem falar nos conchavos internacionais. Uma mulher, se governasse em rede, por consenso, de baixo para cima, democratizaria o capital e, com algumas centenas de milhões de reais, acabaria com a miséria. Mas acho isso impossível de uma mulher que pertence a e está comprometida com um partido que se mantém no poder há muitos anos pelo fisiologismo e pela privatização dos recursos e do poder. Nesse caso, prefiro votar num homem que apresente e realize um programa consistente de gênero. Rose Marie Muraro, 70, escritora e feminista, é membro fundadora do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e autora, entre outras obras, de "Memórias de uma Mulher Impossível". Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Mário Magalhães: Notícias da dengue Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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