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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Mudar o Brasil de vez
Hoje ponho o noticiário de lado
e trato de fatos -obscuros e até
misteriosos- que decidirão nosso
destino nacional. Para isso, é preciso
armar o espírito contra algumas das
obsessões que marcaram as disputas
ideológicas dos últimos dois séculos.
Uma dessas disputas foi o contraste
entre práticas de mercado e práticas
dirigistas. Como explicar, à luz desse
contraste, que as nações mais bem-sucedidas são aquelas que parecem manejar bem tanto o mercado como o dirigismo? Países atrasados costumam
oscilar entre orientações liberais e estatizantes, com resultados igualmente
ruins.
Os Estados Unidos, por exemplo, cedo se identificaram com a fé na anarquia organizada das forças de mercado. Ao se lançarem à guerra em 1941,
entretanto, descartaram os preconceitos ideológicos. Reorganizaram toda a
sua economia sob regime de coordenação planejada, porém flexível, entre
o governo e o setor privado. Confiscaram grande parte da renda privada: a
alíquota superior do imposto sobre a
renda da pessoa física chegou a 92%.
O resultado foi espetacular: em quatro
anos, o PIB quase dobrou. É a implosão do debate ideológico: quem for
bom de mercado, será bom também
de estatismo. Mudará de modelo de
acordo com as circunstâncias.
Três fatores são determinantes para
explicar essa capacidade de usar bem
qualquer modelo. O primeiro fator é o
êxito em atenuar a contradição entre
os dois imperativos básicos do progresso prático: a cooperação e a inovação. Qualquer atividade produtiva é
cooperativa. O próprio mercado representa forma simplificada de cooperação entre estanhos; exige generalização da confiança. É preciso privilegiar as formas de cooperação mais
hospitaleiras à inovação. Para que isso
aconteça, impõe-se um segundo fator:
difundir na população, tão amplamente quanto possível, o acesso às
oportunidades educacionais e econômicas para poder aproveitar a energia
de todos. E esses dois fatores são potencializados por um terceiro: atitude
"despreconcebida", de experimentalismo irrequieto, que penetre toda a
cultura e toda a sociedade.
O que tem isso a ver com o Brasil? A
mudança mais importante ocorrida
no Brasil nos último 40 anos foi a difusão, no meio popular, de nova cultura
de iniciativa e de auto-ajuda. Mais pequeno-burguesa do que proletária, essa cultura procura, instintivamente,
formas de cooperação abertas à inovação. Reivindica equipamento econômico e educativo. Rebela-se contra os
dogmas. Falta-lhe, porém, tudo.
A tarefa pública mais importante a
executar hoje no Brasil é ir ao encontro desse espírito, por todos os meios,
inspirados em todos os figurinos, dotando-o dos instrumentos de que carece, resgatando-o do egoísmo familiar e da fórmula restritiva do pequena
propriedade isolada e munindo-o de
universo mais amplo de opções. A
condição mais importante para que se
dê esse encontro entre a nação e o Estado é a radicalização da meritocracia:
a promoção dos esforçados e dos talentosos. Para isso, é preciso travar
guerra incansável contra o privilégio,
a influência, o favor e o nepotismo em
todos os departamentos da vida nacional. Tratemos de descobrir ou de
inventar as instituições e as práticas
mais capazes de instrumentalizar a
energia frustrada desse Brasil emergente. Tratemos de imaginar nossa
própria grandeza.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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