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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo federal e as mudanças climáticas

JOSÉ GOLDEMBERG

O momento não parece muito oportuno para que o governo federal se dedique a contribuir para a solução de problemas de longo prazo como o das mudanças climáticas provocadas por gases resultantes da ação do homem, como a queima de combustíveis fósseis ou o desmatamento. Há tantos problemas urgentes que reclamam soluções de curto prazo -como inflação, segurança pública, combate à fome e ao desemprego- que os outros acabam sendo relegadas ao segundo plano.
Essa é uma característica geral de governos, mas o Brasil há mais de uma década se distinguiu como um país em que devida atenção foi dada ao problema das mudanças climáticas. Um exemplo dessa ação foi dado pela participação importante da delegação brasileira na formulação do Protocolo de Kyoto, em 1997. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o único dos mecanismos desse protocolo que beneficia os países em desenvolvimento, originou-se de uma proposta brasileira. Em Johannesburgo, em setembro de 2002, novamente, a "Iniciativa Brasileira de Energia", com o apoio de todos os países latino-americanos e do Caribe, desempenhou um papel importante, apesar de não ter sido adotada integralmente.
A razão pela qual se criou uma tradição de atividades profícuas nessa área é a existência de uma grupo no Ministério da Ciência e Tecnologia que desde 1991 deu apoio técnico ao Itamaraty em todas as negociações internacionais.
Em alguns outros países, tais grupos técnicos estão localizados no Ministério do Meio Ambiente, na Presidência da República ou em outros setores da administração. Mas a experiência brasileira funcionou bem porque o MCT é, por sua própria natureza, um ministério técnico que apóia as atividades fins que se encontram em outros ministérios, como os da Agricultura, Saúde, Meio Ambiente e outros que têm agendas próprias a defender ou promover.


O processo iniciado com a Conferência do Rio, em 1992, ainda não se encerrou e poderá trazer grandes benefícios ao país


Essa neutralidade do MCT se mostrou inestimável, porque conseguiu o apoio dos cientistas das nossas universidades que participaram ativamente dos trabalhos preparatórios das conferências internacionais sobre o clima. Quando foi criada a Comissão Interministerial sobre Mudanças Climáticas, coube ao MCT presidi-la e sediar a Secretaria Executiva da Comissão.
É importante que não se perca a experiência adquirida pelo MCT nessa área, apesar de ela não parecer importante e urgente ao governo que se inicia agora. O processo iniciado com a Conferência do Rio, em 1992, ainda não se encerrou e poderá trazer grandes benefícios ao país não só porque abre uma porta adicional para a transferência de tecnologia, como porque o Brasil pode atrair investimentos "verdes" que redundem em créditos de carbono para os países da Europa e eventualmente os EUA, quando aderirem ao Protocolo de Kyoto.
A Conferência de Johannesburgo poderá também ter importantes desenvolvimentos ainda neste ano, mas sobretudo no início de 2004, quando deverá se realizar uma grande conferência sobre energias renováveis, proposta pelo primeiro-ministro Schröeder durante a conferência na África do Sul. A participação nessa conferência poderá ser importante porque o Brasil é um exemplo mundial de país em via de desenvolvimento no qual mais de 40% da energia usada é renovável, isto é, não-poluente.
A defesa dos interesses do Brasil na área de mudança do clima terá um efeito profundo sobre as questões de fome, pobreza e desenvolvimento social e econômico, num prazo de poucos anos, na medida em que toda a economia do mundo está em processo de mudança acelerada para se ajustar a restrições à emissão de carbono.
A liderança dessa participação caberá ao Itamaraty, mas, para que ele se desempenhe bem, é essencial que outros ministérios o apóiem, como ocorreu até agora. Não é essencial que este seja o da Ciência e Tecnologia, mas o que é essencial é que se preserve a equipe que conduziu esses trabalhos e que constitui a memória viva do que se fez no Brasil nessa área.

José Goldemberg, 74, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, primeiro ocupante da cátedra Joaquim Nabuco na Universidade Stanford (EUA), é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Foi reitor da USP (1986-89), secretário da Ciência e Tecnologia e ministro da Educação (governo Collor).


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