São Paulo, terça-feira, 08 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O peso dos caminhões em São Paulo

GERSON LUIS BITTENCOURT

Em artigo publicado pelo presidente do Setcesp (Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo e Região), Urubatan Helou, foram apresentadas propostas que, segundo a entidade, "contribuiriam indubitavelmente para a melhoria da qualidade de vida dos paulistanos que sofrem nos congestionamentos cotidianos" ("Pelo abastecimento de São Paulo", pág. A3, 7/5/04).
Tais propostas vêm sendo estudadas pela Secretaria Municipal de Transportes, com o cuidado de considerá-las tanto do ponto de vista do abastecimento, da cadeia de distribuição de mercadorias, quanto da inserção desse setor na questão maior da mobilidade na cidade e da distribuição justa do espaço viário.
A frota que transporta bens e serviços em São Paulo é de aproximadamente 200 mil caminhões, 500 mil utilitários e 300 mil motofretes. A maior parte dela é dedicada à entrega e coleta de mercadorias urbanas. Considerando apenas as viagens feitas diariamente por caminhões, 38% -ou seja, 75 mil- têm destino na área interna ao centro expandido. Se toda a demanda da área onde vigora o rodízio e das áreas onde há restrição à circulação fosse atendida por caminhões, teríamos 55 mil veículos a mais circulando, o que equivaleria a um acréscimo de 165 mil automóveis nas áreas de maior demanda. No entanto o peso do caminhão no trânsito é ainda maior. Embora represente 5% da frota circulante, envolve-se em 13% do total de acidentes, 7% dos acidentes com vítimas, provoca oito vezes mais atropelamentos e 5,5 vezes mais vítimas.


Para isentar os caminhões de grande porte do rodízio, seria necessária a retirada do trânsito de mais de 300 mil automóveis


De cada mil automóveis, 75 se envolvem em acidentes e 27 provocam alguma interferência no trânsito anualmente. De cada mil caminhões, 305 se envolvem em acidentes e 189 provocam interferências. É certo que a frota circulante de 3,5 milhões de automóveis é a principal responsável pela saturação viária. Por isso, a medida prioritária desta administração é a reformulação do transporte coletivo, com a renovação de mais de 50% da frota de ônibus e microônibus, a construção dos Passa Rápido, de terminais e a introdução de tecnologias de monitoramento e, mais recentemente, do bilhete único. O que se pretende aqui é demonstrar que, para isentar os caminhões de grande porte do rodízio e das restrições, como propõe o Setcesp, seria necessária a imediata retirada do trânsito de mais de 300 mil automóveis.
A prefeitura entende que a circulação de mercadorias, bens e serviços é estratégica para São Paulo. Por isso está elaborando o Plano de Mobilidade de Bens e Serviços, que apresenta ações como a padronização da legislação de trânsito para caminhões. As zonas de máxima restrição de circulação, ZMRCs, foram criadas apenas em regiões nas quais há saturação acima da média e as vias são incompatíveis com grandes veículos. O que se verificava nessas áreas era um grande número de ocorrências de estacionamento irregular de caminhões. Apesar disso, as restrições são aplicadas em horários críticos, e foram criadas vagas de zona marrom, para caminhões e camionetes.
Ainda assim, como o mercado de varejo não poderia correr risco de desabastecimento, foram regulamentados o veículo urbano de carga (VUC) e o veículo leve de carga (VLC), com características para interferirem o menos possível. Em seu artigo, o senhor Helou incorre em alguns erros de interpretação da regulamentação e da comparação desses veículos com caminhões de maior porte. Ambos são regulamentados com capacidade superior a 1.500 kg e, dependendo da motorização, nada impede que um VUC transporte a mesma carga que um VLC.
O VUC foi concebido para caber em uma vaga de estacionamento padrão e tem livre trânsito nas ZMRCs. O VLC tem comprimento maior que o VUC, para a distribuição urbana de cargas de maior volume. Esse veículo sofre restrição nas ZMRCs apenas das 16h às 20h, pela dificuldade em encontrar vagas. É comum que veículos de um mesmo modelo sejam vendidos no mercado, o que invalida a relação proposta pelo Setcesp, de que são necessários três VUCs para cada VLC. A adoção de veículos maiores parece inócua. Segundo a publicação "Indicadores de Logística no Brasil", a carga transportada corresponde a 74% da capacidade do veículo. Se considerarmos que a capacidade desses veículos é, em média, de 7.000 kg, sua carga real de transporte é de 5.180 kg, o que pode ser transportado praticamente no mesmo tempo por um único VUC ou VLC. O transporte em grandes caminhões deve cada vez mais se incorporar ao programa de entrega noturna.
"Há um debate que não pode ser mais negligenciado pela sociedade paulistana, em especial pelas autoridades do Executivo e do Legislativo municipal: a questão do abastecimento da cidade por meio da mobilidade e da circulação de cargas, mercadorias, bens e serviços no perímetro urbano", diz o senhor Helou em seu artigo. Esta administração jamais negligenciou tal questão. Apenas não podemos aceitar um debate que não envolva todos os elos da cadeia produtiva, para que cada um assuma sua responsabilidade proporcionalmente às possibilidades de mercado oferecidas pela cidade.
Devemos discutir melhores práticas na cadeia de abastecimento e modernização da frota e dos equipamentos, assim como propomos um debate que culmine num projeto de logística urbana cujos benefícios possam ser compartilhados por toda a sociedade. Por tudo isso é que, desde o início deste governo, estamos abertos a esse debate.

Gerson Luis Bittencourt, 38, engenheiro agrônomo, é o secretário municipal de Transportes de São Paulo.


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