São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Verdade sobre células-tronco embrionárias

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS E LILIAN PIÑERO EÇA

O procurador-geral da República ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra a lei que aprovou a manipulação de embriões humanos vivos para investigação científica. Os dois signatários deste artigo estão convencidos de que a ação, juridicamente, é irrepreensível e, cientificamente, se acolhida, uma enorme contribuição à comunidade científica.


Cresce o número de trabalhos nos quais se verifica a recuperação de órgãos lesados utilizando células-tronco adultas


Do ponto de vista jurídico, dúvida não existe. Declara a Constituição que o direito à vida é inviolável. O tratado internacional sobre direitos fundamentais de São José determina que a vida começa na concepção e que a pena de morte é condenável tanto para o nascituro como para o nascido. E o Código Civil impõe que todos os direitos do nascituro sejam garantidos desde a concepção.
Seria, pois, ridículo se todos os direitos estivessem garantidos, menos o direito à vida. A vida começa, portanto, na concepção, não se justificando que seres humanos sejam, como nos campos de concentração de Hitler, também no Brasil objeto de manipulação embrionária. A lei é manifestamente inconstitucional do ponto de vista jurídico.
Do ponto de vista científico, a lei não merece melhor sorte.
1) No caso da utilização das células de embriões congelados há mais de três anos, trata-se de um transplante heterólogo, com grande possibilidade de rejeição, visto que, à medida que essas células se diferenciam para substituir as lesadas num tecido degenerado, elas começam a expressar as proteínas responsáveis pela rejeição (Jonathan Knight).
2) Allegrucci e colegas dizem que células-tronco de embriões congelados estão longe de ser a "perfeita fonte de células para terapias", pois originam teratomas (tumores de caráter embrionário).
3) Além disso, ocorrem metilações no DNA dos embriões congelados, que não são passíveis de identificação, aumentando o risco de silenciarem genes. Portanto, não servem para a pesquisa.
4) Há total descontrole das células embrionárias, surgindo diferenciações em tecidos distintos nas placas de cultura, com o que se poderia estar renovando experiências atribuídas a Frankstein.
5) Cada blastocisto fornece entre 100 e 154 células-tronco embrionárias. É preciso saber quantos embriões humanos frescos seriam sacrificados. Por exemplo, na terapia com autotransplante de células-tronco adultas provenientes da medula óssea, é necessário um total de 40 milhões de células-tronco, vale dizer, haveria a necessidade de 300 mil a 400 mil embriões, pois não se pode expandir o número dessas células em placas, por motivo de contaminação.
6) Andrews e Thomson, em 2003, referem que as células-tronco humanas em cultura apresentam anormalidades cromossômicas à medida que se diferenciam, com risco de se malignizarem.
7) Quanto à clonagem terapêutica, não se conseguiu até agora clonar um primata. Ao tentar, obtém-se meia dúzia de células aneuplóides (células cujos núcleos contêm um número diferente de cromossomos).
8) Feeder layers são camadas de tecidos retiradas de fetos vivos em qualquer estágio, vendidas em dólares nos Estados Unidos, as quais estão sendo utilizadas para garantir a qualidade do cultivo das células-tronco embrionárias.
9) Joel R. Chamberlain e colegas mostraram em estudo que há doenças genéticas que podem ser tratadas, mas com células tronco adultas, modificadas geneticamente, como na Osteogenesis Imperfecta, a qual origina desordens ósseas no esqueleto. Os resultados demonstrados foram um sucesso.
10) "Célula adulta age como embrionária", de acordo com o cientista Rudolf Jaenisch. O segredo está guardado em uma "chave" molecular: o gene Oct-4. A molécula trabalha no estágio inicial do embrião, "segurando" as células para não se diferenciarem antes da hora. No tempo adequado, o gene se desliga e as células formam, então, os tecidos certos. Com o controle do gene, é possível fazer com que certas células-tronco adultas sejam mantidas nesse estágio sem diferenciação, o que pode expandir seu campo de atuação na pesquisa de novos tratamentos (www.cell.com).
Vemos alternativas para estudar a cura das doenças. Cresce o número de trabalhos nos quais se verifica, com sucesso, a recuperação de tecidos ou órgãos lesados, utilizando células-tronco adultas. Um exemplo é o trabalho de Nadia Rosenthal, publicado no "Proceedings of the National Academy of Sciences", sobre o sucesso em usá-las para recuperar tecidos musculares. Devemos lembrar, também, do sucesso do pioneirismo brasileiro nas aplicações de células-tronco adultas em seres humanos, no tratamento das cardiopatias, doenças auto-imunes, lesão de medula espinhal, lesão de nervos periféricos, entre outras.
Como se percebe, em vez de o governo aplicar recursos na manipulação e eliminação de seres humanos, transformados em cobaias, como no nacional-socialismo alemão, poderia investir maciçamente na investigação das células-tronco do próprio paciente ou na dos cordões umbilicais.
Cremos que, se o STF declarar a inconstitucionalidade da manipulação dos embriões humanos, voltará o governo seus olhos para aquelas experiências com células-tronco adultas, cujos resultados, no mundo inteiro, são cada vez mais auspiciosos.

Ives Gandra da Silva Martins, 70, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras.
Lilian Piñero Eça, 50, biomédica, doutora em biologia molecular pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é autora do livro "Biologia Molecular - Guia Prático e Didático".



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